sexta-feira, 16 de novembro de 2018

PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA: ENTRE O ARQUIVO E O SÍMBOLO




Os símbolos nacionais, além de artefatos/arquivos da história, são agentes de estímulo e integração. Essa é a razão para destacarmos datas, personagens, situações e conquistas, sem os quais não seria possível formar a identidade nacional. O Brasil é Brasil por sua história! Então, a Proclamação da República é antes data-símbolo do que oportunidade de descanso para os que ainda têm emprego que lhes permita tal desfrute.

15 de Novembro para nós brasileiros e brasileiras é marca temporal de transição da Monarquia Parlamentarista para a República, realizada em 1889. Contudo, esse dia memorável é espuma do mar maior de perspectivas político-econômicas e movimentos contrários ao antigo regime. Na década de 1870, por exemplo, foi assinado por alas intelectuais brasileiras, nas quais estavam também alguns protestantes, o Manifesto Republicano cujas linhas alimentavam o desejo democrático, a luta por liberdade e a cumplicidade com a ideia de que a vontade do povo deveria conduzir o país. No histórico texto é denunciada a realidade brasileira e expressava-se, com bravura, o enfrentamento ao sistema marcado por injustiças. Cito: “O privilégio, em todas as suas relações com a sociedade – tal é, em síntese, a fórmula social e política do nosso país –, privilégio de religião, privilégio de raça, privilégio de sabedoria, privilégio de posição, isto é, todas as distinções arbitrárias e odiosas que criam no seio da sociedade civil e política a monstruosa superioridade de um sobre todos ou de alguns sobre muitos” (Manifesto Republicano, 1870).

Na época, as “novas idéias” republicanas desaguavam entre as classes letradas, pelas esquinas e quintais da terra brasilis. O país era efervescência de sonhos e revoltas; lágrimas e risos; forças conservadoras e revolucionárias. Sagazmente, Rui Barbosa, em 10 de Julho de 1889, percebeu o clima no ar e escreveu: “É inenarrável o aspecto que, há dois dias, apresenta a capital do império. Nunca se estamparam mais vivamente na fisionomia de uma cidade o pasmo, a reprovação, o protesto. Sente-se, nos espíritos, o rumor da grande vaga humana, que cresce das consciências, e se aproxima, surda e misteriosa, nas crises morais de uma nação. As ruas borbulham de alvoroto. A política invadiu todos os colóquios, emudeceu todas as preocupações. Não se crê no que se acredita. Essa mesma espuma das alegrias interesseiras, que efervescem a cada mudança ministerial, à ascensão de cada partido, mal sobrenada, indecisa e silenciosa. Ainda não acertamos com um liberal satisfeito” (Queda do Império, vol. XVI, tom. III, p. 243.). O “alvoroto” (revolta) que borbulhava era o sinal do desgaste. Desejava-se, nas palavras de Raimundo Correia, que o Futuro, archote incendiário, queimasse os báculos e os cetros. Ou seja, a famigerada relação dos poderes católico e monárquico já não passaria desapercebidamente ilesa às críticas das consciências esclarecidas. Tanto quanto se sentia o dissabor pela dureza do autoritarismo, das crises econômicas, do obscurantismo e da desigualdade de direitos, crescia o desejo pelo progresso social.

O 15 de Novembro de 1889 seria, então, a erupção dos muitos interesses vulcânicos instalados desde o seio da monarquia. Machado de Assis, em “Esaú e Jacó” (1904), infere a respeito da desgastada monarquia no diálogo entre os personagens Aries e Custódio. Este, no romance machadiano, é dono do estabelecimento chamado “Confeitaria do Império”. Na conversa com Aries, Custodio fala sobre a restauração da tábua onde estava o nome de sua confeitaria. O decepcionado confeiteiro lamenta: “Ontem, à tarde, lá foi um caixeiro, e sabe V. Exª o que me mandou dizer o pintor? Que a tábua está velha, e precisa outra; a madeira não aguenta tinta. Lá fui às carreiras. Não pude convencê-lo de pintar na mesma madeira; mostrou-me que estava rachada e comida de bichos. Pois cá de baixo não se via. Teimei que pintasse assim mesmo, respondeu-me que era artista e não faria obra que se estragasse logo”. Não tem restauração, diria a mensagem do livro, o sistema monárquico estava aos bichos e não teria artista que desse jeito!

Por outro lado, mesmo glorioso em valores, o sonho libertário não foi o único motivo de adesão à causa. O ressentimento dos ex-proprietários de escravos, despossuídos pela Lei Áurea (1888) do perverso bem sem serem ressarcidos, impulsionou a cooperação dos grandes ruralistas. Ainda – e a honestidade histórica exige indicar – os ideais republicanos foram traídos na Primeira República. Contudo, a luta pela Liberdade, Igualdade, Dignidade Humana, Justiça (valores tão caros para o futuro Estado Democrático de Direito) integravam essencialmente as diretrizes dos militantes republicanos do séc. XIX.

Por conseguinte, essa data é memória de denúncia e enfrentamento a sistemas que legitimem a “superioridade de alguns sobre muitos”. Aponta para um projeto de nação plural cujo governo está a serviço da legalidade, democracia e estabelecimento de direitos. Comemorar a Proclamação da República, dessa forma, é reafirmar os valores da justiça para todos e todas, o estabelecimento do acesso à educação e aos subsídios necessários para o bem estar social. E para nós evangélicos, vinculados à história do protestantismo brasileiro, 15 de Novembro é a afirmação indiscutível da separação entre Estado e Igreja, o que exige respeito à diversidade, o diálogo e a não imposição de valores individuais ou teológico-institucionais sobre os interesses nacionais, evitando o mal do privilégio religioso denunciado já pelo Manifesto de 1870. 

Assim, a Proclamação da República lança os olhos do povo brasileiro para o passado, mas torna-o símbolo de valores imprescindíveis e civilizatórios, projetando-nos, por sua vez, para o futuro.



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Experiência e Hermenêutica Pentecostal". Novo Livro pela CPAD











Acaba de sair pela Casa Publicadora das Assembleia de Deus (CPAD) o meu novo livro, em parceria com David Mesquiati, "Experiência e Hermenêutica Pentecostal. Reflexões e propostas para a construção de uma identidade teológica". A obra reuni diversas reflexões e discussões realizadas em ambientes acadêmicos a respeito da teologia pentecostal e, especialmente, o lugar privilegiado da experiência para interpretação bíblica e da fé. O livro é dividido em 10 capítulos e provoca uma série de questões: o que seria um hermenêutica pentecostal? É possível falar em teologia pentecostal? Qual a relação histórico-teológica do Pentecostalismo com a Reforma? Que tipo de método exegético poderia ser melhor aplicado à leitura bíblica pentecostal. 

Abaixo, um pequeno trecho da obra: 


"Algumas coisas nos preocupam em relação à produção teológica pentecostal no Brasil. Um dos riscos é a neocalvinização do pentecostalismo ou as teologias protestantes estabelecidas tornarem-se o único ou o melhor caminho para a sistematização teológica. No entanto, precisamos explicar o que queremos dizer com isso. Antes de qualquer coisa, essa crítica não é aos calvinistas e demais protestantes, mas aos nossos irmãos pentecostais. Acreditamos que o diálogo com a teologia e com os teólogos reformados é de fundamental importância para a promoção do Reino de Deus em nossas terras. Contudo, para que o diálogo aconteça, nós pentecostais precisamos fazer o dever de casa e articular uma identidade teológica que seja propriamente pentecostal. E, podemos afirmar com toda segurança, que isso já vem sendo feito, especialmente por nossos irmãos norte-americanos e europeus, como Amos Yong, Kenneth Archer, Veli-Matti Karkkainen, Harold Hunter, entre outros; não nos esquecendo de pentecostais latino-americanos, como Bernardo Campos, Daniel Chiquete, entre outros, que há algum tempo têm enfrentado essa realidade e feito propostas importantes. Por isso, nosso texto fará ensaios seguindo esse mesmo interesse, de uma construção de identidade teológica pentecostal, que exige a releitura da história, uma proposta hermenêutica e articulação na e para a experiência" (MESQUIATI; TERRA, 2018, p.2).

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Pela Democracia. Pela Nação. Pelos 501 anos da Reforma


A vitória do Bolsonaro foi conquistada democraticamente. E se desejamos preservar e respeitar o Estado Democrático de Direito, precisamos nos dobrar, sob a égide da Constituição, à vontade do povo, porque dele deve emanar o poder, sempre! Pronto, isso agora nos convoca a atitudes democráticas, tanto dos eleitores como não eleitores do novo presidente – confesso que meu olhar para essa reflexão aponta em especial às comunidades de fé, pois é o lugar de onde falo.

Antes de qualquer coisa, é urgente evitar qualquer atitude idólatra. A aceitação acrítica das propostas, movimentos e interpretação da realidade de qualquer projeto político é idolatria, porque acaba dando valor eterno a poderes históricos. Por isso, espero que os seguidores de Cristo, especialmente os pastores que o apoiaram e estão por perto, sejam capazes de vencer o vislumbre ou interesses pessoais e façam a devida e democrática oposição a qualquer sinal de prejuízo coletivo, políticas equivocadas ou ataque à democracia.

Os eleitores que deram seu voto de confiança ao vitorioso presidenciável não podem deixar a alegria da conquista cegá-los diante de ações suspeitas. E pelo visto, já estamos acompanhando algumas articulações preocupantes. Entre elas podemos citar a possível presença de Alberto Fraga no gabinete em 2019. Esse deputado do DF foi condenado em primeira instância a quatro anos, dois meses e 20 dias de prisão, em regime semiaberto, sob a acusação de pedir 350 mil reais em propina a cooperativas de transporte, em 2008, quando era secretário de transportes do governo José Roberto Arruda. Esse mesmo levou outros 30 parlamentares que poderão apoiar o afrouxamento do Estatuto do Desarmamento. O nome disso é toma lá da cá! Outro nome citado, esse para a casa civil, é Onyx Lorenzoni, também do DEM. Ano passado Lorenzoni admitiu ter recebido dinheiro para caixa 2 da JBS. O que o uniu a Bolso foi seu posicionamento a respeito da revogação do mesmo Estatuto. Tanto na relação com este como com aquele, o futuro presidente coloca em primeiro lugar o apoio à revogação da lei do desarmamento em detrimento do histórico político. Será que ninguém está vendo que isso pode significar o mesmo erro do PT? Já se ventila na câmara a troca de apoio entre Bolso e Rodrigo Maia (DEM) tendo como moedas de troca a presidência da câmara e a mesma flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Não podemos permanecer achando que corrupção foi inventada por membros do PT. Esse tipo de ideia isenta os demais partidos de suas responsabilidades.

Outro movimento que precisa ser observado com muito cuidado por todos é a proposta da fundição do Ministério da Agricultura com o Meio Ambiente. Essa ação pode se tornar um grande equívoco para toda a nação, porque, por um lado, obrigaria alguns países importantes e grandes parceiros do Brasil deixarem de comprar nossos produtos por conta de seus compromissos internacionais e, por outro, colocaria sob os interesses irresponsáveis do agronegócio políticas públicas para o meio ambiente, o que ameaçaria instituições e políticas públicas que guardam as riquezas naturais do país, base da qualidade de vida e desenvolvimento econômico. Até mesmo grupos ligados ao agronegócio estão preocupados com essa possibilidade. Além disso, a democracia precisa da oposição partidária que seja voz de limite e crítica. Por isso, o discurso de que quem critica é “comunista” precisa dar lugar ao saudável e necessário contraditório, sem estigmatizarão ou pechas precipitadas.

Em especial aos pastores que estão lado a lado do Bolsonaro e conhecem bem a tradição protestante, desejo que não percam de vista a transitoriedade de qualquer governo. Sejam consultores da sabedoria, amabilidade, preservação da pluralidade e responsabilidade nos discursos. Já que ele tem falado tanto em Deus e sua vontade, sejam sempre possibilidades de conselhos sensatos em relação às suas políticas públicas. Não o deixem, sem que ouça de vocês uma mínima exortação à luz do Evangelho, tomar decisões que firam os mais necessitados ou beneficiem somente um grupo ou classe. Em algumas de suas falas ele demonstrou muita insensibilidade a violências estatisticamente comprovadas. Sejam, já que estão tão próximos, iluminação coerente a respeito desse risco. Sei que durante a campanha muitos dos colegas pastores apoiaram-no, de perto e de longe, por encontrarem nele um defensor da família. Sempre entendi essa leitura por temerem algum tipo de imposição de agendas nas escolas e às crianças. Contudo, sejam sensatos e olhem sempre com muita acuracidade cada discussão sobre esses temas para haver razoabilidade e não excessos, o que poderia gerar um tipo de “caças às bruxas” ou maior intolerância em nome da preservação de uma perspectiva de sexualidade. Ainda aos pastores, levando em consideração nossa tradição protestante, tenham o equilíbrio necessário para não diluírem a separação fundamental entre Igreja-Estado em nome da moral e bons costumes, porque vocês devem ser antes aptos para proclamar e ensinar sobre esses princípios do que os impor via Estado.

Por fim, não podemos deixar, principalmente nós protestantes que carregam as memórias de 501 anos, de nenhuma forma, qualquer projeto político retalhar, fatiar, retroceder, diminuir ou desqualificar direitos adquiridos em nossa recente democracia. Espero que sejamos capazes de unir o Brasil e agora olharmos para frente sonhando juntos por uma nação para todos e todas.