De repente, na penumbra comum das noites bucólicas, enquanto pastores davam conta dos afazeres cotidianos, o céu
poetizou boas-novas em lábios-eternidade: “Não temas”, disse-lhes o anjo, “trago
alegria sem fronteiras. Desde as memórias da pequena cidade de Davi vem o
menino-Cristo, o bebê-Salvador”. Paradoxalmente,
o sinal para os pobres trabalhadores não seria o pináculo do templo, ou barulho
de festins dos luxuosos palacianos, nem mesmo o som de ação de graças dos
anciãos sinagogais. A solenidade aconteceria em uma manjedoura e ornamentada
por panos improvisados, simples como seus pais. Os espectadores não sabiam, mas
faltava a coroação da visão. O coral celestial se organizou sobre suas cabeças,
extasiados ouviram admirados o cântico da comunidade angelical: “as alturas estão
em glória e paz escorre imprevisível no chão da Terra. Viva, há boa-nova aos
homens e mulheres que sejam terras férteis e germináveis”.
Tal qual a irrupção, o palco se
desfez, fincado a estupefação e o vislumbre dos receptáculos belemitas. Agora
não eram mais pastores, tornaram-se poetas. Assim como Alberto Caeiro, são guardadores
de novos rebanhos. Aquele, “seus pensamentos”; estes, sonhos. Contudo, todos dariam
conta das sensações. Transformados, foram em busca do sinal. Não seria difícil
encontrá-lo, quem cuida do campo conhece o cheiro de manjedoura. Tão Emanuel quanto
o cotidiano das pessoas simples, a encanação da esperança era-lhes reconhecível.
Ansiosos e corrigidos pela
pressa, encontraram José, Maria, o menino-Deus e a manjedoura. Mal chegaram e
logo recantaram as cantigas dos anjos, rimaram o espanto, narrativizaram o poema
sagrado e testemunharam as vozes ouvidas do céu. Como se recriassem a cena,
novamente o tablado onde os seres celestes contracenaram foi montado. No
entanto, as palavras fizeram-se personagens, os verbos atores e as frases o
campo. Contextos diferentes, mas reações irmãs: em êxtase ouviam-nos e juntos
contemplavam o porvir. Assim, as imagens coladas nos corações dos pastores
cobriram novos celebrantes. Maria, acostumada com a sombra do Espírito Santo, rapidamente
arrumou chaves mnemônicas, porque se eterniza tudo quanto a memória ama.
Aos pastores restou-lhes a
poesia. Poderia ter sido de outra forma, mas nada recompensaria a maneira “como
lhes havia sido dito” (Lc 2.20)!