segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Na manjedoura: como lhes havia sido dito...





De repente, na penumbra comum das noites bucólicas, enquanto pastores davam conta dos afazeres cotidianos, o céu poetizou boas-novas em lábios-eternidade: “Não temas”, disse-lhes o anjo, “trago alegria sem fronteiras. Desde as memórias da pequena cidade de Davi vem o menino-Cristo, o bebê-Salvador”.  Paradoxalmente, o sinal para os pobres trabalhadores não seria o pináculo do templo, ou barulho de festins dos luxuosos palacianos, nem mesmo o som de ação de graças dos anciãos sinagogais. A solenidade aconteceria em uma manjedoura e ornamentada por panos improvisados, simples como seus pais. Os espectadores não sabiam, mas faltava a coroação da visão. O coral celestial se organizou sobre suas cabeças, extasiados ouviram admirados o cântico da comunidade angelical: “as alturas estão em glória e paz escorre imprevisível no chão da Terra. Viva, há boa-nova aos homens e mulheres que sejam terras férteis e germináveis”.

Tal qual a irrupção, o palco se desfez, fincado a estupefação e o vislumbre dos receptáculos belemitas. Agora não eram mais pastores, tornaram-se poetas. Assim como Alberto Caeiro, são guardadores de novos rebanhos. Aquele, “seus pensamentos”; estes, sonhos. Contudo, todos dariam conta das sensações. Transformados, foram em busca do sinal. Não seria difícil encontrá-lo, quem cuida do campo conhece o cheiro de manjedoura. Tão Emanuel quanto o cotidiano das pessoas simples, a encanação da esperança era-lhes reconhecível.

Ansiosos e corrigidos pela pressa, encontraram José, Maria, o menino-Deus e a manjedoura. Mal chegaram e logo recantaram as cantigas dos anjos, rimaram o espanto, narrativizaram o poema sagrado e testemunharam as vozes ouvidas do céu. Como se recriassem a cena, novamente o tablado onde os seres celestes contracenaram foi montado. No entanto, as palavras fizeram-se personagens, os verbos atores e as frases o campo. Contextos diferentes, mas reações irmãs: em êxtase ouviam-nos e juntos contemplavam o porvir. Assim, as imagens coladas nos corações dos pastores cobriram novos celebrantes. Maria, acostumada com a sombra do Espírito Santo, rapidamente arrumou chaves mnemônicas, porque se eterniza tudo quanto a memória ama.

Aos pastores restou-lhes a poesia. Poderia ter sido de outra forma, mas nada recompensaria a maneira “como lhes havia sido dito” (Lc 2.20)!