
Entre os textos do Apocalipse,
o capítulo 13 é o mais instigante. Na tarefa de entendê-lo, precisamos dar uma
olhada na narrativa anterior, Ap 12, no qual aparece uma mulher vestida de sol
com a lua nos pés. Ela estava para dar à luz. Inesperadamente, aparece um
Dragão, com sete cabeças, dez chifres... horrível! O ser caótico desejava
devorar o filho da mulher cósmica, mas antes disso Deus o arrebatou para o
trono. Na mesma parte, outra cena é pintada. Há uma briga no céu entre Miguel e
os anjos contra o Dragão. Chamado de antiga serpente, Diabo e Satanás, ele cai
precipitado na terra, quando volta a perseguir a mulher e seu filho. Novamente
seu intento violente é frustrado. Contudo, João informa que agora suas forças
seriam canalizadas contra os seguidores de Jesus, talvez por serem os
representantes da criança livrada. Entenda, o visionário está descrevendo sua
experiência e indicando as características do demoníaco para serem capazes de
resistir e habilidosamente discerni-lo quando despontasse. Ele está
preparando-nos para o cap.13 e mostrará onde o encontraremos. Deixe-me explicar
algo. Hoje em dia não defendemos nas pesquisas a teoria da perseguição. É o
contrário. Com as cartas enviadas às igrejas da Ásia, percebemos que as
comunidades viviam certas benesses e estavam felizes no império (“rico sou e de
nada preciso... [Ap 3.17]”, lembra?) . Todavia, João percebeu esse risco e
alertou as igrejas e lideranças a respeito dos perigos dessa relação e desnudou
a falsidade do discurso de paz veiculado pelo Império, porque negava princípios
básicos da fé anunciada pelo Cordeiro.
Bom, agora podemos ler o
capítulo 13. Se olharmos com cuidado veremos a descrição de duas bestas: do mar
e da terra. A primeira condensa em si todas as características dos animais de
Dn 7. Ou seja, ela reúne as mazelas e monstruosidades dos reinos contrários a
Deus na história. Por sua vez, a segunda besta está a serviço da primeira e
leva o povo à adoração idólatra e aceitarem-na como digna de valor religioso.
Seus sinais e linguagem seduzem alguns das igrejas. Eles recebem uma
identificação de pertencimento e sem a marca não entrariam no necessário
sistema de compra e venda. Dentro dessa densa descrição, quando a primeira
besta é descrita, lemos em Ap 13 uma informação fundamental, o que coloca João
no lugar de enfrentamento direto: “E deu-lhe o Dragão o seu poder, seu trono e
sua autoridade”. Pasmem, o Apocalíptico está chamando o sistema imperial de
representante do Dragão, do próprio antagonista de Deus e do Cordeiro! Não
menos perigosa é a besta da terra, porque ela tem aparência de cordeiro, mas na
realidade é eco do Dragão e está a serviço da primeira Besta.
Não sei se você percebeu, mas
João desconfia do Estado. Mesmo se auto-afirmando como promotor de paz, os
indícios sociais e a revelação denunciam para o visionário o engodo da relação
espúria entre religião e Besta, Igreja e Estado. Deus mostrou ao profeta os
indícios, ações e práticas do Império contrários ao projeto de Jesus. O
visionário percebeu que a violência era maquiada por um discurso de paz, suas
taças estavam cheias de sangue e a balança desigual. No entanto, os benefícios
e trocas cegavam os seguidores de Jesus na Ásia, amordaçavam a denúncia dos
crimes e impediam a igreja de se afastar. Alguns não tinham manchado suas
roupas, mas muitos sucumbiram e foram seduzidos. Se levarmos a sério o
Apocalipse de João, encontramos importantes advertências: 1. não é possível
seguir o cordeiro sem desconfiar do Estado; 2. cuidado, não deixe os benefícios
do sistema político favorável cegarem-no a ponto de passarem desapercebidamente
os indícios de projetos contrários ao evangelho; 3. a única relação entre
igreja e Estado é a profética.
E a marcha para Jesus desta
semana em SP? Eu vi pastores e pastoras ovacionarem e conduzirem a multidão aos
pés do Estado que usa o símbolo de uma arma em punho como parte de sua proposta
e imagem. Assisti consternado, a Igreja e seus líderes, no meio de louvores e
culto, em gritos, repetirem o slogan de um projeto político partidário por
vezes cheio de violência. Ouvi chamarem de mito um político e fizeram do
púlpito palanque – interessante, o dragão está presente em vários mitos
cosmogônicos do Mundo Antigo.
Não se engane, quando a igreja
perde seu lugar profético e se mistura com o Estado, seja por inocência ou
desejo de poder, os pastores se tornam representantes da Besta e os membros
candidatos a serem marcados por ela.
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