Enviaram-me
o link de um artigo publicado na revista “Bona Consciêntia”. Quando ouvi pela
primeira vez que sairia um texto em resposta ao nosso livro, disseram: “estou escrevendo
um texto acadêmico numa revista acadêmica”. Na época, imaginei que seria uma
análise avaliando os pressupostos do livro, as fragilidades e, por sua vez, as
contribuições. Então, fui logo até o site da revista dar uma olhada no Qualis, um
importante indicador de qualidade das revistas acadêmicas sob responsabilidade
da CAPES-MEC, porque usaram a expressão “acadêmica” e esse tipo de periódico
precisa de pareceristas, os quais não são os donos da verdade, mas diminuem possíveis
injustiças. Quando vi, a revista não estava nem mesmo indexada. Pensei: “tudo
bem, vamos ler o texto”. Contudo, acabei esquecendo do assunto e deixei para
lá. Todavia, esta semana um conhecido do autor do artigo marcou-me no face e disse:
“[...] então, por falar em hermenêutica, aproveita e refuta aí o artigo sobre a
hermenêutica pentecostal, tomara que as citações que ele usou sirvam!”. Bom,
achei bacana, mas respondi que sairá outra obra sobre o assunto e como conheço
um pouco da postura do tal interlocutor, recomendei que esperasse o livro,
porque responderia algumas questões do ávido crítico. No entanto, fiz o que
disse que não faria, entrei no link e fui ler o texto. Descobri, na verdade, que o “artigo” não é
uma típica resenha, mas um misto de ataques desconexos, tipo uma apologética
estranha, fazendo afirmações rápidas e repetindo um monte de chavões sobre
pós-modernidade sem qualquer preocupação de análise relevante dos seus
pressupostos. Por isso, recuso-me em fazer exatamenteuma resenha ou
crítica-resposta ao texto por alguns motivos. Cito-os:
1.
Logo
no início, ele faz afirmações equivocadas sobre nosso livro e o coloca como
parte do mesmo equívoco da pós-modernidade: “Referindo-se às Sagradas Escrituras, o que deve ser
levado em conta essencialmente é a interpretação do leitor em detrimento do que
o autor do texto sagrado quis passar”. Em primeiro lugar, como assim “quis passar”? Que
expressão é essa? Seria preciosismo da minha parte esperar uma linguagem menos
coloquial e mais técnica? Já que o texto é anunciado como acadêmico, poderia
afinar os termos. Bom, isso é o de menos. O problema é dizer que a
pós-modernidade (e nosso texto é colocado nesse contexto) considera “essencialmente
a interpretação do leitor”. Vejam, escrevemos um capítulo só sobre semiótica da
culta de I. Lotman. Então, o ponto não seria eliminar o texto e inflacionar o
leitor, mas a relação circular entre texto e leitor, reconhecendo as
estratégias do próprio texto. Isso não significa deixar de lado o texto! Perceba
que o autor vai criticando sem ao menos saber bem do que está falando ou cuidar
dos pressupostos epistemológicos do livro que escrevemos.
2.
Ainda no
começo do artigo, ele diz que falará do cerne da pós-modernidade. Então, faz a
seguinte descrição da modernidade para depois tratar da sua vilã: “Desde o
fim do século XIX, mais especificamente por meio de Friedrich Nietzche, a
modernidade, que veio à tona no Ocidente por meio do iluminismo de meados do
século XVIII, levou um sério golpe. Um pouco depois, com o estruturalismo, o
pós-modernismo avançou fortemente. O estruturalismo afirma que a linguagem é uma
construção social, sendo que todas as produções literárias visam dar sentido ao
vazio experimental sentido”. Não, a modernidade não “veio à tona no
Ocidente por meio do Iluminismo do séc. XVIII”. Não, a pós-modernidade não
avançou fortemente com o estruturalismo. E mais, não é o estruturalismo “que
afirma que a linguagem é uma construção social”. Essa é uma afirmação das
teorias das linguagens em geral. Ou seja, é igual aquele dever de casa comum
dos intolerantes: faço uma caricatura pseudoneutra e, depois, “pancada
nela”.
3.
Continuei
lendo: “Fato é que o pós-modernismo não se coaduna com o pensamento cristão
tradicional de se entender não apenas as Escrituras, mas também o legado da
tradição cristã”. Não entendi? Você, leitor, entendeu? Talvez, se estiver
certo sobre o sentido dessa frase, seria necessário para tal autor ler alguns
textos de teólogos pentecostais como Karkkainen, Archer ou não pentecostais com
Smith. Ainda, além de fazer uma caricatura da pós-modernidade, o texto insiste
em criticar o nosso livro como se ele fosse uma defesa acrítica da
pós-modernidade/pensamento pós-metafísico, ou como se tivéssemos dizendo que o
Pentecostalismo é pós-moderno. Na própria obra explicamos que o pentecostalismo
é paramoderno (K. Archer) e antecipa algumas intuições da pós-modernidade. Será
que, no fundo, não quer entender?
4.
Há outra
coisa que me desestimula fazer uma resenha do texto. Ele fala de J. Derrida,
dos autores pós-modernos etc., mas não vai às fontes. Cita somente intérpretes
– e só os que tratam de maneira crítica o que eles mesmos chamam de
pós-modernidade. Para termos ideia da infantilidade, quando ele quer
diferenciar Modernidade e Pós-modernidade cita um quadro de Alister McGrath,
no qual coloca palavras-chave reducionistas que se antagonizam a fim de definir os
termos. Olha um pedaço do quadro citado: “Modernidade =propósito;
pós-modernidade=brincadeira”. Brincadeira é, na verdade, usar essa definição
para diferenciar termos tão complexos e substanciais. Seria o mesmo que pedir
para um argentino fazer o mesmo com Pelé e Maradona: Pelé = feio; Maradona =
lindo.
5.
Depois, o artigo inicia uma discussão sobre teoria da
linguagem e diz: “No campo
da linguística, Ferdinand de Saussure, Roman Jakobson e, principalmente, Jacques
Derrida, Michel Foucault
e Jean Baudrillard
afirmaram uma arbitrariedade na linguagem e que não há nenhuma lei
absoluta em termos linguísticos para se procurar”. Aqui, cita-se um monte de
nomes, os quais carregam detalhes teóricos que por um lado os aproxima, mas,
por outro, distancia-os totalmente. O artigo junta tudo e afirma: “não ha
lei absoluta em termos linguísticos para se procurar”. No entanto, a linguística
diz o contrário: o sistema linguístico estabelece significação sobre o mundo a
partir de redes de significação. Inclusive, a diferenciação entre Langue e
Parole (Saussure) tenta dar conta disso. E mais, citar Foucault num mesmo
parágrafo no qual se afirma que “Sendo assim, ficaram excluídas do estudo em
conjunto com a linguística as relações entre língua e sociedade, língua e
cultura e afins” é demonstração de desconhecimento total da Análise do
Discurso foucautiana (contra a qual tenho algumas críticas, especialmente por
fazer o que o artigo diz que ele não faz). Então, fui até ao rodapé.
Adivinhem o que descobri? Novamente não há diálogo com as fontes e só aparecem os
comentaristas.
6.
Depois, o
artigo faz um monte de inferências, inclusive sobre a afirmação de César no
prefácio a respeito da construção de uma teologia assembleiana já que sou
batista etc. E, logo em seguida, diz: “porque não temos conhecimento de que nenhum
pentecostal anterior ao surgimento da hermenêutica
pós-moderna afirmou que a
experiência determina o entendimento do pentecostal concernente às Escrituras
Sagradas”. Ora,
se não tem conhecimento, por que vai falar a respeito? Claro que há pentecostais
que dizem isso, inclusive gente que defende o MHG (R. Stronstad, H. Ervin [não
era pentecostal], Fee etc.).
7. Quando o artigo começou a falar de MHG e MHC de
maneira completamente equivocada, usar parágrafos do nosso livro fora do
contexto, citar somente comentaristas e criar caricaturas sem qualquer precisão,
então, parei de tentar analisá-lo, porque precisaria fazê-lo parágrafo por
parágrafo. São muitas afirmações imprecisas que exigiriam comentários longos e
quase outro artigo. Na verdade, exigiria repetir o que já está no livro,
indicar as imprecisões (escrever essas já citadas gastou muito tempo) etc.
Confesso que não teria tempo para isso.
Minha impressão final: o texto fica o tempo todo
querendo dar aula de história e sobre o uso correto de expressões teológicas – ao
mesmo tempo em que cita conceitos com as imprecisões acima citadas. Um exemplo.
Ele usa um comentário que escrevi no Blog e no Face para insinuar que usei uma
fonte (como Bolsonaro fez com o discurso do representante da OMS) com recortes,
tratando-a de maneira leviana. Nessa citação que não está no livro, mostrei que
o mesmo Stronstad que defende o método tradicional admitiu que a experiência iluminou
a leitura carismática dos pentecostais e não simplesmente o uso mais eloquente
ou mais profundo do MHG. Ou seja, serviu-me como fonte para mostrar que até
mesmo para esse a experiência não é anulada no processo interpretativo; pronto,
foi só isso! O cara está tão envenenado para
achar coisas no texto que é rápido em fazer acusações. E não somente isso, o artigo não analisa as
principais questões epistemológicas e muito menos responde ao ponto central: “quais
as melhores ferramentas para a hermenêutica tipicamente pentecostal?”. Foi isso
que fizemos. E os caminhos metodológicos que citamos, eles têm alguma
coerência? Narratologia, Crítica Literária ou Semiótica podem ajudar nessa
tarefa? Nada disso importou no artigo do rapaz. Ou seja, gastou um tempão com
jargões e “lacração” boba e não enfrentou tal discussão.
Obs.: Outra coisa, o texto tem vários parágrafos
truncados, informações desconexas e joga autores e conceitos em um balaio só.
Talvez, se esse artigo tivesse passado por algum parecerista de revista Qualis estrato superior, teria recebido várias correções ou nem mesmo seria publicado. Posso
estar errado, mas para averiguar essa minha hipótese, faça o teste e mande esse
texto para a Revista Horizonte, Estudos Teológicos, Perspectiva Teológica ou
Reflexus. E para citar uma resenha crítica do nosso livro, indico a última publicação
da Revista Horizonte (A1), na qual há a recensão feita pelo Dr. Alonso. Ele não
alivia e faz duras ponderações, mas, por sua vez, observa as contribuições e
limites da obra. Se o tal autor entender que ainda tem coisas a
aprender, esta publicação poderá servir de orientação quando quiser analisar
outros livros.