segunda-feira, 20 de junho de 2011

Exposição da carta de 1 Coríntios: Introdução (I)



Como prometido, inicio aqui a exposição da carta escrita por Paulo aos crentes que viviam na Cidade grega de Corinto (1 Cor).  Para facilitar a leitura dividirei os posts  da introdução em três partes: questões sócio-culturais, características da comunidade e divisão da obra. Comecemos, então, pelas questões sócio-culturais.  

Questões sócio-culturais da cidade de Corinto


A primeira carta às igrejas na cidade de Corinto (1 Cor), na verdade é a segunda correspondência àquela comunidade, como informa Paulo em 1 Cor 5, 9 – alguns sustentam que ela está parcialmente preservada em 2 Cor 6,14 - 7, 1, mas isso não é possível ser afirmado com certeza.

As informações históricas, econômicas, sociais e culturais a respeito da cidade de Corinto são importantes para esclarecimento de alguns textos dessa carta. Historicamente nós podemos falar em duas cidades de Corinto. Uma grega, destruída em 146 a.C e outra romana, reerguida por ordem de César em 44 d.C. Segundo Sanders (Urban Religion in Rome Corinth, 2005) depois daquela derrocada de 146 a.C “Corinto não era mais uma entidade política, mas uma cidade fantasma, ocupada por uma pequena população não coríntia, engajada no cultivo da terra agrícola”. As tradições religiosas anteriores àquele período não sobreviveram. Por isso, a informação da existência de templos dedicados à deusa do amor, Afrodite, nos quais havia mais de mil prostitutas sagradas, como narra Estrabão, deve ser localizada antes dessa destruição. Na Corinto romana do tempo de Paulo não havia mais do que dois templos àquela deusa.

Quando era ainda uma cidade grega, Aristophanes (450-385 a.C) cunhou a expressão korinthiazein “agir como um de Corinto”, i.e., “cometer fornicação” ou “viver como um libertino”. Talvez esse caráter moral ainda estivesse presente na cidade de Corinto nos tempos de Paulo, porque em cem anos, por causa de sua próspera economia baseada no comércio (por sua localização geográfica privilegiada na parte sul do istmo de Corinto: ligava dois mares e duas regiões da Grécia) e da indústria (um grande volume de mercadores passava por essa cidade), já era uma grande metrópole da Antiguidade. Como é comum em grandes cidades, e muito mais ela que recebia pessoas de várias regiões do Mundo Antigo, vício e religião, como diz Anderson Dias, floresciam lado a lado. Essa plural diversidade populacional, instrumento para presença de várias formas culturais num mesmo nicho social, fez-se possível pelos muitos migrantes, muitos deles pobres, que lá se instaram para morar. Inclusive judeus, pois foram achados restos de sinagogas naquela região.

Deste a sua reconstrução, foi planejado o restabelecimento de celebrações religiosas e sacrifícios e os preços a serem pagos por eles. Além do culto ao Imperador, como era comum nas colônias romanas, prestavam-se cultos às divindades Afrodite, Asclépio, Apolo e Poseidôn. Havia também altares e templos dedicados à Atenas, Hera e Hermes que eram ladeados por santuários erigidos às divindades egípcias, Ísis e Serápis. A experiência religiosa em Corinto era tão diversa quanto sua população, com visíveis retoques sincréticos e circularidade cultural.

Os pesquisadores advertem que o progresso econômico, como é comum, não era sentido por todos. Uma pequena porção da sociedade conseguiu fazer fortuna e adquirir uma condição social superior à grande maioria da massa do povo, que era composta por uma multidão de escravos e artesãos pobres ou empobrecidos, vivendo no nível de subsistência, que trabalhavam para o enriquecimento da classe abastada (como era comum em todo Império). Até mesmo os libertos, mesmo acima dos escravos, eram alvos de preconceitos e viviam muitas vezes como clientes do antigo patrão. É provável que a maioria dos membros das comunidades cristãs fosse pobre, muitos eram escravos, como percebemos pelo discurso de Paulo (1 Cor 1,26; 7,17-24).