quinta-feira, 21 de julho de 2011

Exposição da carta de 1 Coríntios: Introdução (II)



Como prometi, apresento aqui os últimos dois tópicos introdutórios para a leitura de 1 Cor: características da comunidade cristã de Corinto e a divisão do texto para exposição.

Características da Comunidade Cristã em Corinto

A carta que chamamos de 1 Coríntios foi escrita para uma comunidade cristã com membros oriundos do paganismo e do judaísmo. É uma obra com características pastorais, mesmo tendo pinceladas teológicas ou teóricas. Na ocasião da composição da carta, Paulo estava em Éfeso (1 Cor 16,5-7), em sua terceira viagem missionária. Ele escreveu a carta depois que fora informado, por meio da família de Cloé, sobre algumas disputas na comunidade (1 Cor 1,11) e após receber uma carta que continha dúvidas dos cristãos daquela região (7,1). Ele está lidando com problemas, dúvidas e posições surgidas dentro da própria comunidade.

O apóstolo está militando em várias frentes de discussões, mas essas estão relacionadas a ações e ideias de grupos mais liberais, ou fortes, dos quais cita seu lema por duas vezes (“sou livre para fazer o que quiser” - 1Cor 6,12 e 10,23), que refletia em algumas práticas sexuais no mínimo irresponsáveis (1Cor 5, 1-6, 12-20), pois acabavam ofendendo os mais fracos. Segundo Koester, “Algumas pessoas em Corinto estavam convencidas de que possuíam a sabedoria salvífica divina, intermediada por meio de certos apóstolos que as haviam iniciado pelo batismo, ou recebida sob a autoridade de Cristo”. Essa perspectiva desembocava em uma espécie de escatologia realizada, que negava a expectativa da ressurreição no tempo do retorno de Cristo (15,1-58), porque já era vivida, na perspectiva de alguns da comunidade, pela presença dos carismas (12-14). Vielhauer chama os defensores dessa posição na comunidade de pneumáticos entusiastas. Possuidores dessa sabedoria e experiências espirituais, esse grupo acreditava viver a vida eterna no presente (4,8). Desta forma, por viverem já essa experiência de eternidade presente, nada das relações do mundo poderiam comprometê-los. Interessante que na mesma comunidade, onde havia um grupo de liberais em relação à sexualidade, encontramos outro grupo defensor da abstinência sexual e do celibato.

Paulo fala de diversos assuntos – casamento, virgindade, comidas de reuniões pagãs, ressurreição – que dividiam os crentes da comunidade. Talvez, aqueles que diziam ser de Paulo, Pedro, Apolo ou de Cristo, divergissem nas questões levantadas pela comunidade, as quais o apóstolo responde.

Divisão da Carta

Por Paulo tratar de vários assuntos e fazer algumas digressões em determinados momentos da argumentação, a divisão da epistola torna-se um pouco problemática, gerando algumas controvérsias entre os exegetas. Aqui dividiremos a carta em capítulos maiores, com respectivos subtópicos: (I) introdução, com um pré-escrito e saudação (1,1-9); (II) Paulo trata das divisões e dos posicionamentos filosóficos (sabedoria) dos partidos em corinto. Este é o momento quando ele expõe uma teologia da cruz (1,10-4,21); (III) Paulo fala de algumas questões morais dentro da comunidade e como resolvê-las – nesta parte os capítulos 5 e 6 ficarão juntos porque mesmo tratando de situações diferentes são similares em essência, a saber, a maneira de resolver litígios e práticas reprováveis (5, 1- 6,20); (IV) Paulo responde às perguntas levadas pela comunidade. Essa unidade é estruturada pela locução prepositiva grega perí dé [porém, a respeito de] (7,1; 8,1; 12,1) que traça uma linha de contato para os capítulos desse bloco, no qual Paulo responde às perguntas relacionadas ao casamento e virgindade (7,1-40); comensalidade e liberdade (8,1-11,1) e problemas de práticas litúrgicas (11,2-14,40). Dentro desses assuntos, podemos fazer subdivisões, como, por exemplo, este pode ser subdivide em 11,2-16 (sobre a postura das mulheres e dos homens na assembleia), 11,17-34 (problemas nas refeições comunitárias e Ceia) e 12,1-14,40 (sobre os dons na igreja e sua prática nos cultos); (V) Neste ponto, o apostolo trata da ressurreição (15, 1-58); (VI) conclusão da carta (16,1-24).

Temos então a seguinte estruturação para leitura da carta:

I. INTRODUÇÃO (1,1-9)

1. Pré-escrito (1,1-3)
2. Saudação (1, 4-9)

II. DESAVENÇA ENTRE PARTIDOS (1,10-4,21)

III. PROBLEMAS MORAIS E MATURIDADE NO JULGAMENTO (5,1-6,20)

1. Incesto, Práticas Libertinas e Punição (5,1-13)
2. Maturidade nas Resoluções de Litígios entre Irmãos (6,1-6)
3. Outras Práticas Imorais (6,7-20)

IV. RESPOSTAS PAULINAS ÀS DÚVIDAS DA COMUNIDADE (7,1-14,40)

1. Casamento, Divórcio e Virgindade (7, 1-40)
2. Ingestão de Carne Sacrificada (8,1-11,1)
    2.1. O amor e sacrifício como limitadores da liberdade (8,1-9,27)
    2.2. Discurso teológico sobre a questão (10,1-11,1).

3. Problemas de Práticas Litúrgicas (11,2-14,40)
    3.1. A aparência das mulheres e dos homens no culto (11,2-16)
    3.2. Problemas nas refeições comunitárias e Ceia do Senhor (11,17-34)
    3.3. Sobre os dons do Espírito (12,1-14,40)

V. SOBRE A RESSURREIÇÃO (15,1-58)

1. Introdução fundamental ( 15,1-11)
2. Realidade da ressurreição dos mortos (15,12-34)
3. Como ressuscitarão os mortos (15,35-58)

VI. CONCLUSÃO DA CARTA (16,1-24)


A partir dessa divisão em blocos, faremos a exposição sincronicamente, como está preservado em sua forma final, do conteúdo da primeira (mas na verdade é a segunda, cf. 1 5,9) carta escrita por Paulo às igrejas estabelecidas em Corinto.