sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Cruzadas evangélicas: matem o “histórico-crítico”. Sepultem o “liberal”




Não é necessário começar este post com enfadonhas linhas explicativas sobre as Cruzadas. Até mesmo os mais desinteressados a respeito do assunto, e os menos fãs da história da Igreja, já ouviram falar das batalhas dos “exércitos de Cristo” contra os infiéis na Terra Santa. Além dos interesses políticos e econômicos, as Cruzadas eram incentivadas pela piedade desenfreada, inflamada por discursos de Papas como Urbano II: “Deus o quer! Deus o quer!”, e pelo desejo de defender o que era sagrado, a saber, Jerusalém. As santas peregrinações, como eram chamadas, pintaram um quadro negro na história da humanidade.

Depois de “sapedar” (vasculhar, mais especificamente, onde não é chamado) por alguns blogs dos defensores da Fé Ortodoxa, dos Preservadores dos Pilares da Reforma, dos Guardiões da Sã Teologia... (bla, bla, bla), encontrei um entre esses que me chamou a atenção por sua moderna Cruzada. Não citarei o nome de sua Excelência, o cancellarius de uma universidade reformada, por respeito.

Depois de ler alguns de seus textos, percebi sua guerra santa contra duas palavras que na verdade se transformaram, para ele, em inimigos ideais. São duas expressões que parecem fantasmas sem corpos. Refiro-me às nomenclaturas “histórico-crítico” e “liberal” – aquele se refere ao conjunto de métodos desenvolvidos pela exegese Moderna, desde o século XVIII, e que hoje em dia já recebeu muitas críticas e a maioria dos que deles se utilizavam não o fazem mais; este serviu e serve para designar um movimento teológico que tem por pai a F. Schleiermacher.

O tal teólogo sempre usa esses termos como se representassem inimigos ferozes e malignos, que saíram das profundezas do inferno para atormentar os fiéis ou tomar sua Terra Santa. O citado articulista fica o tempo todo precavendo os indefesos crentes contra o veneno do método “histórico-diabólico-crítico” e das unhas do Satã, travestido com as roupas da teologia liberal. Nos textos, parece-me que ele coloca uma armadura, com uma cruz vermelha, e vai de encontro a esses dois temíveis seres do mal. O grande problema está no fato de ele ter os transformado em coisas, como dois tentadores a serem seguidos ou não.

O que é ser liberal hoje? Como separar os métodos para dizer que eu sou filho desta ou daquela metodologia de leitura bíblica? Cada um tem um pouquinho das ideias que permeavam o liberalismo, como também, ao mesmo tempo, carrega alguns pozinhos fundamentalistas. Vários leitores da Bíblia aceitam os postulados da crítica das formas, da redação, ou crítica literária, para citar algumas ferramentas do diabólico histórico-crítico, e ao mesmo tempo afirmam que Paulo escreveu 1 ou 2 Timóteo. Já vi um exegeta conservador encher a boca para dizer que era “histórico-gramatical!”, e depois, no mesmo discurso, falar em Sitz im Leben. Dá para entender? Sim, eu acho que dá. Ninguém é uma coisa limpa, pura, única. Somos uma multiplicidade de possibilidades e conveniências, especialmente no pensar e viver a fé, que é a mais indomesticável de todas as espécies.

Por isso, essas Cruzadas contra os Entes “liberalismo” e “histórico-crítico” está mais para lutas contra moinhos de vento...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

“Respeitável Público, com vocês... Tiririca, o Deputado Federal!”


Quando estive em São Bernardo do Campo, num congresso de Bíblia na UMESP (ABIB), quase morri de rir ao ver o grande comediante Tiririca no horário político, com aquele rostinho redondo e engraçado, como candidato a deputado federal. Pensei: “realmente não é só no meu Espírito Santo que há coisas absurdas, como a possibilidade da volta do Gratz – graças a Deus, pelo menos este “morreu no ninho”! Na mesma ocasião estava comigo um cubano, recém doutorado em Ciências da Religião, que achava lindo nossa democracia, pois, diferente de seu país, temos muitos partidos e toda a espécie de candidatos para votar, de mulheres frutas a malufes. Na hora me calei e novamente me pus a pensar: “bom, tudo bem, isso pode até ser lindo, mas já pensou se um Tiririca da vida...”.

Aquilo que eu temia, como diria Jó, isso me sucedeu, ou melhor, sucedeu-nos. “Tiririca é o novo Deputado Federal com 1,3 milhões de votos!”. É mole! E mais, Frascisco Everardo Oliveira Silva (sim, é o Tiririca) foi o candidato com maior votação entre todos que pleiteavam uma vaga na Câmara dos Deputados neste ano, a frente de outro “palhaço”, o ex-governador do Rio de Janeiro, Antony Garotinho, que chegou perto dos 700 mil votos. Tiririca, e parece até mentira, é agora o segundo mais votado na história do Brasil entre os candidatos para essa cadeira. Pelo que parece, o deboche conquista o coração do povo, pelo menos o de São Paulo.

Na verdade não sei o que aconteceu. Será que o povo ficou curioso ao ouvi-lo falar: “Sou candidato a deputado federal. O que é que faz um deputado federal? Na realidade eu não sei, mas depois, eu te conto"? Talvez o povo tenha se sensibilizado ao saber que Tiririca se preocupava com a família. Convenhamos, quem não se sensibilizaria com um pronunciamento deste: “Oi gente, estou aqui para pedir seu voto porque eu quero ser deputado federal, para ajudar os mais 'necessitado', inclusive a minha família”?

Sério, se foi “voto de protesto” (mas, poxa, mais de um milhão de votos de protesto?!) ou qualquer outra coisa, o certo é, como escreveu o jornalista Irineu Machado no UOL Eleições do dia 4 de outubro, agora “o Brasil elegeu um palhaço – de verdade – para o Congresso Nacional”. Talvez o povo pense: “palhaço por palhaço”, que seja então um profissional...

Não tenho nada contra o comediante Tiririca. Na sua profissão é um dos melhores, e quem sabe ele seja bem assessorado e consiga fazer um bom trabalho (sou pentecostal, acredito em milagre), mas é vergonhosa e deprimente uma “palhaçada” dessa! São mais de um milhão de votos!

Um país que elege Tiririca, e onde Maluf consegue 497 mil votos (é verdade, ele mesmo), infelizmente nunca terá uma Marina Silva como presidente.

sábado, 2 de outubro de 2010

“Independentemente de qualquer coisa, obrigado Marina Silva”

Quero deixar de lado por um instante a exposição da Carta aos Gálatas, para pincelar aqui algumas considerações sobre uma assembleiana que tem me dado orgulho de fazer parte da mesma denominação dela. Refiro-me à Marina Silva.

Há alguns meses, logo nas primeiras postagens, escrevi um texto (Cf. Que venha o Centenário da Assembleia de Deus... O que comemoraremos?) sinalizando o rumo tomado por nossa denominação – mais tarde percebi que não era o único assembleiano indignado. Na ocasião focalizei meu olhar – demasiadamente crítico, eu sei, mas bem intencionado – somente no “podre”, no “não Reino”, nos “lobistas” dentro da instituição. Talvez parecesse, para alguns, que deixei meu dedo muito em riste. Para outros, só se cumpriu a conhecida interpretação para o vigor subversivo da juventude: “antes dos trinta todos somos comunistas...”. Independente dessas afirmações estarem certas ou não, a verdade é que minha valoração não foi feita à luz de observações neutras e frias, mas com suor, sangue e fúria. A melhor palavra para o que ainda sinto é frustração, e não indignação, porque aquela está muito mais próxima da esperança. Esperança de mudanças estruturais e substanciais ainda não alcançadas.

Por que a lembrança amarga desse texto indesejado? A razão está na satisfação paliativa de saber que Marina Silva é também assembleiana, ou melhor, “mulher assembleiana”. Esses dois detalhes importantes precisam estar juntos para mostrar a grandeza dela. Por ser mulher – de origem marcada pelo analfabetismo (ela foi alfabetizada aos 17 anos), seringal e pobreza – e superar estatísticas negativas das relações de gênero e chegar aonde chegou, prova ser um exemplo de coragem e força. Como assembleiana, coisa que nunca usou para se favorecer nas urnas, bem diferente de alguns que usam a boa fé pentecostal para cultivar currais de eleitores, mostrou com a vida e com seu discurso – o qual, como bem mostra José Luis Fiorin (Linguagem e Ideologia. 8 ed. São Paulo: Ática, 2007), também é ação por ser legitimação – ser possível ter uma fé que não esmoreça a dedicação às causas do meio ambiente e questões humanitárias.

Talvez tu indagues: “ela não é a única!”. Sim, eu sei. Mas é uma das poucas! Ou não é comum ouvirmos em lábios pentecostais discursos que negam a vida e que desqualificam as militâncias sociais, por acharem desnecessárias e focalizam apenas a existência além-mundo? Quantas vezes ouvimos, pelo menos nos púlpitos pentecostais, nos quais também falo e me incluo entre os devedores, sermões sobre a luta do Reino contra as injustiças sociais? Ou sobre as questões climáticas e nossos pecados ambientais? Quantos congressos ou encontros convencionais participamos que tinham textos como Isaías 5, 8 ou 10,1-2 como tema? – Os temas dos profetas e as suas preocupações parecem não estar na nossa agenda. Diferente de muitos de seus colegas de denominação, Marina Silva consegue viver uma fé que inclui as questões ambientais, a luta social e os direitos humanos na sua agenda; assuntos esquecidos, mas verdadeiramente cristãos. Marina Silva, a começar pela maneira como pensa sua religião, deve ser ouvida, pelo menos por nós assembleianos.

Mesmo que não vença, e eu gostaria muito que vencesse, e fiz e farei o possível para isso (a começar votando nela), ela já me deu grandes alegrias e revigorou minha esperança da possibilidade, como alguns poucos fazem, e reconheço a existência deles, de ser protestante e pensar política ou pleitear cargos políticos sem usar o discursinho medíocre e desonesto “crente vota em crente”. Marina poderia ter se submetido à “esqueminhas” com as lideranças de sua denominação (seria isso difícil, caro leitor, se ela quisesse?), mas não o fez. Pelo contrário, nunca usou seu pertencimento à maior Igreja Pentecostal do Brasil para favorecer-se. As únicas vezes em que a vi e ouvi tocar no assunto, mostrou muita coerência com seu discurso sobre ética; e coerência é uma qualidade que ela claramente possui como bem escreveu o Pr. César Moisés em seu Blog.

Fico extremante entusiasmado e orgulhoso ao ouvi-la falar sobre aborto, direitos civis dos homossexuais e outros assuntos desse tipo, porque não confunde Estado e Igreja. Sei que essa relação é muito complexa, mas simplesmente admiro como o seu discurso, ao mesmo tempo, carrega princípios democráticos e valores do grupo religioso que faz parte. Sei que democracia e religião (ou fé cristão) não são duas coisas antagônicas, mas poucos conseguem aproximá-las com tanta sensibilidade.

Sem temer a perda do prestígio dos evangélicos, que em muitos momentos são realmente implacáveis, e nem levantar bandeiras motivadas por impulsos supostamente apologéticos, que às vezes – repito, “às vezes” –, acobertam o desejo de poder ou legitimação de statu quo, ela mostra a clara necessidade de governar sem achar que o Brasil é obrigado a aceitar a moral cristã ou de qualquer outro grupo que compõe a múltipla e plural Terra Brasilis.

Há uma ideia que em essência tem coerência, mas sua aplicabilidade é falaciosa. Refiro-me à afirmação de que a Igreja precisa de políticos para ser defendida. Sim, como todas as instituições, a Igreja precisa de representantes que a protejam de possíveis danos, em questões institucionais. No entanto, primeiramente, isso não será feito necessariamente por um político evangélico; alguns fazem até o contrário. Segundo, proteger de perjúrios não é o mesmo que defender os interesses. Quais interesses tem a Igreja além da proclamação e expansão da justiça do Reino de Deus ? Para precisamos de deputados, senadores, governadores? Acho que não. A Igreja precisa ser política, no sentido de se preocupar e se posicionar em relação às questões do desenvolvimento e realidade sociais. Precisamos educar os donos do voto, especialmente os de casa, de que representantes honestos, capazes e bem intencionados, crentes ou não, cuidarão do bem coletivo. Desta forma, a Igreja e os demais serão beneficiados.

Precisamos ter na cabeça que o Estado não pode e não deve aprovar ou deixar de aprovar alguma coisa segundo nossas perspectivas teológicas. Os que consciente ou inconscientemente defendem a não aprovação de leis que ferem ou não ressoam os dogmas da Igreja, esquecem que sobre cada um dos assuntos em pauta existem diferentes perspectivas teológicas. Por exemplo, o aborto ou homossexualismo. A quem o Estado deveria ouvir? Uma teóloga cristã feminista ou uma conservadora? O exegeta que lê 1 Co 6,9 de forma mais tradicional ou o crítico? Exigimos uma postura do Estado sempre pressupondo que a nossa leitura bíblica e a teologia são as mesmas para todos os cristãos (ãs) e teólogos (as).

Os que governam precisam preservar, na verdade, a liberdade, com o objetivo de sempre afirmar a democracia e os direitos civis em todos os níveis. Com isso todas as instituições serão protegidas e como disse, inclusive a Igreja.

Ufa! Por que esses parágrafos? Para mostrar como Marina Silva sabe muito bem disso, e ao ser questionada sobre temas polêmicos ela conseguiu fazer um equilibrado diálogo entre seus pressupostos de fé e as prerrogativas do Estado. Eis aí outro motivo que me enche de prazer ao saber que estamos na mesma denominação! Sobre os temas polêmicos atuais, a história nos mostra o quanto a Igreja errou quando se achou no direito de impor suas verdades ou empurrar seus pressupostos teológicos a todo custo na cabeça do povo. Proclamamos e testemunhamos um euangélion que no seu nível mais básico fala em amor. Por isso as discussões sobre a moral cristã precisam sempre passar nessa peneira, como Paulo fez ao falar da liberdade e até mesmo sobre os dons (1 Co 8-11; 1 Co 12-14).

Aconteça o que acontecer, dia três de outubro estarei em paz com minha consciência. Agradeço a oportunidade de ter Marina Silva como uma possibilidade de voto. Espero que milhares sejam da mesma opinião. “Imaginemos a possibilidade, mesmo que pareça fraca, pobre, louca ou insensata, porque Deus escolhe as coisas...”