sábado, 29 de setembro de 2012

"Os Anjos que Caíram do Céu"



 
           É com muita alegria que anuncio o lançamento  do meu livro: "Os anjos que caíram do céu. O livro de 1 Enoque e o demoníaco no mundo judaico-cristão". Segui abaixo a apresentação feita pelo professor Dr. Paulo Nogueira da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).   
 
"Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 90, a pesquisa bíblica passou por mudanças de direção muito importantes. Uma delas se refere ao fato de que os textos chamados de apócrifos, sejam do AT, sejam do NT, deveriam definitivamente “sair do armário”. Se antes o seu estudo era entendido como tarefa de pesquisadores esotéricos ou ultraespecializados, agora eles são parte da formação de todos aqueles que querem estudar a Bíblia, e, em especial, o cristianismo primitivo. Os motivos desta mudança devem ser encontrados na reflexão crítica sobre o cânon bíblico e com as novas perspectivas historiográficas que foram inseridas nos estudos exegéticos. Se antes se buscava no texto bíblico apenas doutrinas e fatos históricos, agora há uma salutar abertura para o universo cultural e religioso dos primeiros cristãos. E como eles eram, em sua maioria, judeus ou gentios afeitos à cultura judaica do seu tempo, o mergulho na literatura religiosa judaica do seu tempo é imperativo. Antes, as origens das ideias e expressões neotestamentárias eram encontradas quase que exclusivamente no Antigo Testamento, hoje este pressuposto é considerada anacrônica. O Antigo Testamento só pode ser origem das ideias religiosas do cristianismo primitivo se estudado por meio do seu grande filtro mediador cultural: a chamada literatura do Segundo Templo. Trata-se de uma grande biblioteca composta pelos escritos pseudepigráficos e pelos Manuscritos do Mar Morto. Neles encontramos uma infinidade de gêneros: viagens ao além-mundo, relatos de visões, mitos das origens, textos litúrgicos, interpretações da lei, relatos históricos, etc. Dentre estes textos destacamos um conjunto que é da maior importância para o estudioso do Cristianismo Primitivo: os escritos de Enoque. Trata-se de cinco apocalipses compostos entre o século III ou II a.C. e I d.C. atribuídos a Enoque, o visionário e sábio por excelência. Nos seus relatos encontramos um saber enciclopédico: das origens ao fim da história, da estrutura do cosmo ao sentido da história de Israel. Tudo está lá. E como o cristianismo não nasceu num vácuo cultural, ele também bebeu desta fonte, em parte mediada pela cultura popular e pela oralidade, é verdade. Neste novo momento dos estudos bíblicos podemos dizer sem medo: somos todos Enóquicos!
           É no contexto desta vertente contemporânea dos estudos bíblicos que se origina o trabalho que tenho a honra de apresentar. Com erudição, perspicácia exegética e histórica Kenner Terra nos conduz por um universo das narrativas míticas das origens, de um tempo que os seres angélicos e os humanos se relacionavam, sem garantia de bons resultados para ambos. É nestas narrativas sobre o tempo da origem que esta cultura expressa suas ficções fundadoras, suas categorias antropológicas e suas concepções psicológicas. Neste solo fértil da cultura judaica Kenner vai explorar o surgimento das ideias sobre o mal e o demoníaco; tema de tanta importância para compreendermos as sociedades do passado. Mas só do passado? Não exerce o mal ainda horror e fascínio sobre todos nós? Na verdade estes textos antigos têm o poder de nos conduzir por reflexões complexas e da maior atualidade. Afinal, quem se antecipou a relacionar o demoníaco com temas ecológicos e sociais se não Enoque, o visionário do tempo primordial? Estes textos também nos permitem um olhar mais rico sobre as crenças em espíritos imundos e demônios nos evangelhos e na tradição de Jesus. Em tempos de demônios domesticados nos programas de TV, esta redescoberta da dimensão cultural do demoníaco nos evangelhos pode ser fonte de surpresas fascinantes.  Descobriremos as transições pelas quais o mito passou até as formas assumidas na narrativa sinótica. Perceberemos também como os personagens mudam, adaptam-se e ficam cada vez mais adaptados a novos tempos. De guardiões, se transformam em demônios."
Carapicuíba, agosto de 2012.
 
Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

JESUS COM UMA ESPOSA?




Fragmento do Papiro GosJesWife (2012)

O título deste post parece ser um tanto sensacionalista, tipo Código da Vinci, mas na verdade se refere a uma publicação do fragmento de um papiro copta,  uma cópia do séc. IV de um texto da segunda metade do segundo século. O recente material foi publicado pela professora Karen King, do Harvard Divinity School. Inclusive, o  New York Times já publicou uma reportagem sobre o assunto com o título “A Faded  Piece of Papyrus Refers to Jesus’Wife” (“Um Pedaço de Papiro envelhecido refere-se à esposa de Jesus”). Este fragmento foi nomeado como “Evangelho da Esposa de Jesus” (GosJesWife). O texto é escrito em copta saídico e está bem deteriorado. 

Neste texto, Jesus dialoga com seus discípulos e fala sobre uma suposta esposa (“minha esposa”, [tahime em copta]). Vejamos a tradução feita pela Prof. King:

“     1. Não [para] mim. Minha mãe me deu a vi[da...”
       2.   [ Os discípulos disseram para Jesus, “. [
       3.   Maria é digna dele (ou "não é digna dele")
       4.  .....” Jesus disse para eles, “Minha esposa.. [
       5   [ ... Ela será capaz de ser minha discípula [
       6   [ Deixe as pessoas perversas inchar [
       7   [ Como para mim, habito com ela a fim de...  
       8   uma imagem[

Como vemos, o texto é truncado e os colchetes mostram as partes deterioradas. No entanto, na linha quatro parece que Jesus, para defender Maria, diz ser ela sua esposa. Esta "obra", como disse a Prof. King[1], deve ser inserida no contexto das disputas sobre a história e figura de Jesus, dentro do próprio Cristianismo, do segundo século (caso a data esteja certa) em diante. Clemente de Alexandria, em seu Stromateis (III, 6.49), no terceiro século, já falava de alguns cristãos que insistiam em dizer que Jesus tinha uma esposa.  

Os especialistas se dividem sobre a autenticidade deste material. Uns acham, como Mark Goodacre (http://ntweblog.blogspot.com.br/2012/09/the-gospel-of-jesus-wife.html?spref=tw), que esta reconstrução e o próprio material são legítimos e realmente revelam um grupo cristão do final do segundo século que acreditava que Jesus tinha uma esposa, mesmo que admita que haja uma confusão entre as expressões “esposa” e “mãe”.

Para quem quiser ver o texto em copta e inglês, o Harvard Divinity School disponibilizou-o: http://www.hds.harvard.edu/faculty-research/research-projects/the-gospel-of-jesuss-wife. Em português também há um interessante blog sobre este assunto: http://www.apocryphagnostica.blogspot.ca/2012/09/o-evangelho-da-esposa-de-jesus.html







 [1] KING, Karen. “Jesus said to them, ‘My wife…’”. A New Coptic Gospel Papyrus. In: http://news.hds.harvard.edu/files/King_JesusSaidToThem_draft_0917.pdf