terça-feira, 8 de março de 2016

Até que seja um dia de comemoração... dia Internacional da Mulher!


No primeiro livro da Bíblia Hebraica (Gn 1,27), o projeto das relações de gênero, com linguagem originária, já é apontado. Homens e mulheres, sem desequilíbrio de direitos e valor, partilham a dignidade da imagem da eternidade: “à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”! O incidente de 8 de março, um dos mais vergonhosos da nossa história, que gerou esta memória em nosso calendário, foi um exemplo claro de descaminho de Gn 1,27. Infelizmente, as justas reivindicações das mulheres operárias de Nova Iorque, que geraram a intervenção assassina no fatídico episódio de Nova Iorque, em 1857, ainda não se efetivaram inteiramente. Impressionante, as mulheres ainda hoje amargam, segundo alguns dados, a realidade de ganharem 30% a menos do que os homens, mesmo que tenham em média melhor formação. O caso das operárias da fábrica da Duloren, em Vigário Geral, no Rio de Janeiro, só reafirma essa condição. A costureira Silvana, que trabalhava há quatro anos na fábrica carioca, testemunha que “em caso de doença, se a gente pegar atestado por mais de três dias, perdemos o direito à cesta básica”, que era de 100 reais! As pesquisas nos mostra, nos dez primeiros meses de 2015, do total de 63.090 denúncias de violência contra a mulher, 31.432 corresponderam a denúncias de violência física (49,82%), 19.182 de violência psicológica (30,40%), 4.627 de violência moral (7,33%), 1.382 de violência patrimonial (2,19%), 3.064 de violência sexual (4,86%) e 3.071 de cárcere privado (1,76%). E pior, dos atendimentos registrados pelo Ligue 180, 77,83% das vítimas possuem filhos (as) e que 80,42% desses (as) filhos(as) presenciaram ou sofreram a violência. Os exemplos e dados de negação de direitos poderiam ser empilhados, os quais demonstram que não é uma data para ser festejada, porque os desmandos, impropérios e violações desumanizadoras continuam escancarados diante de nossos olhos.

Enquanto as filhas do criador não tiverem seus direitos garantidos ou forem vítimas de violências, o dia internacional da mulher não será uma celebração, mas significará impulsão para luta. E, como povo de fé, não podemos nos acomodar e deixar de lado a pulsão profética. O profeta Isaías, ao ler o seu tempo e perceber as arbitrariedades dos membros da cidade, os quais se escondiam atrás de ritos frios da religião, denunciou: “De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios, diz o Senhor? [...]quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos; e ainda que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei, porque as vossas mãos estão cheias de sangue [...]”. E com voz estridente ele afirma o que deseja o Deus do Éden: “Aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas”. Por isso, não podemos descansar enquanto a justiça, desde os salários até o respeito público, seja feita para nossas irmãs!

Temos, minha esposa e eu, uma menininha de quatro anos. Seu sorriso e seu abraço são mais terapêuticos do que qualquer outra expressão de beleza que o mundo possa proporcionar. Ela e todas as meninas precisam viver em um mundo onde seus sonhos não sejam tolhidos por não serem meninos, nem suas intimidades expostas por aqueles que desejam mais uma cena de ridicularização. Precisamos construir um lugar onde ela e as demais poderão ter sua dignidade garantida e não estejam à mercê do vexame cotidiano das piadinhas desumanizadoras. Minha filha e todas as filhas precisam sentir que seus corpos não são objetos e independentemente da cor, classe ou etnia terão igual acesso aos bens que lhe são de direito. Enquanto isso não for garantido, não haveremos de celebrar, mas militar, para a glória Daquele que as criou.

Por aquilo que 8 de março proclama, até que seja realmente um dia de comemoração!