sábado, 26 de maio de 2018

A greve dos Caminhoneiros e o Governo Temer



Entre tantas coisas ensinadas a duras penas nesta semana, a mais surpreendente foi saber da dependência rodoviária da nação. Para muitos, os caminhões nas estradas, por vezes excomungados pelos motoristas de veículos menores, eram só um detalhe indesejado. Saiba, o setor de transporte de carga cobre 60% da movimentação de tudo que é produzido e consumido no país! Ou seja, os produtos mais básicos e os mais essenciais dependem das rodas dos caminhões nas estradas para circularem no Brasil. E pior, desses sessenta por cento, 62% do setor está sob o domínio da iniciativa privada e das cooperativas. Em suma, o Brasil está nas mãos, ou nas rodas, de interesses de setores econômicos muito suspeitos e com o poder quase divino de implantação do caos. Quer dizer, então, que a paralisação é uma articulação dos interesses privados e de grandes empresas? Ou, não são legítimas suas reivindicações e essa luta não nos interessa? Não, não é isso que estou afirmando. Desejo simplesmente observar um horizonte que pode tornar menos simplista nossa avaliação. Para termos ideia da complexidade do tema, ontem, em entrevista, um caminhoneiro ao ser questionado sobre cartazes pedindo a intervenção militar em muitos postos de protesto respondeu ser essa a “única solução para nosso país”. Segundo ele, os “cidadãos de bem” seriam beneficiados. Não está fácil interpretar essa movimentação! Então, vamos para o outro lado da margem para depois tentarmos entrar na terceira via.

O problema central – além de outras questões ligadas ao pedágio – é o preço do combustível. Todos nós sabemos como é a composição do preço do diesel e da gasolina (se não sabíamos, agora todos sabemos): 9% é para “distribuição e renda”; 12% é o “custo de etanol e Anidro” (gasolina) e 07% “Custo Biodiesel” (diesel); 29% (gasolina) e 15% (diesel) para ICMS; 16% (gasolina) e 13% (diesel) para CIDE e PIS/PASEP e Confins; 34% (gasolina) e 54% (diesel) para “Realização Petrobras”. Ou seja, 45% do preço da Gasolina e 28% do diesel é resultado da presença de tributos estadual (ICMS) e Federais (CIDI e PIS/PASEP e Confins). Além disso, não podemos nos esquecer da mudança no governo Temer para os preços da gasolina e diesel. Desde junho de 2017, o preço do combustível receberia reajustes diários à luz do valor internacional do barril e cotação do dólar. No governo Dilma a variação dos preços internacionais era repassada de forma defasada aos valores praticados no país, um mecanismo usado para tentar segurar o aumento da inflação. Agindo assim, o governo evitava que a elevação do preço dos combustíveis se disseminasse pela economia afetando os outros produtos que dependem diretamente de transporte rodoviário e de insumos derivados do petróleo, capitalizando o impacto na inflação geral. Ou seja, o valor no consumo depende da política de preços e reajustes do governo; e como estatal sua lógica não é somente o lucro, mas o melhor preço e benefícios para o povo, mesmo que interfira no lucro.

Ainda, um absurdo que poucos sabem é a chamada política “American First" (América Primeiro). Felipe Coutinho, presidente da associação dos engenheiros da Petrobras, explica o que isso significa. Segundo ele, essa é uma nociva política de preços que, na prática, beneficia os Estados Unidos antes do que o Brasil: “Essa prática adotada pelo governo Temer tira mercado da Petrobras e faz com que o Brasil importe derivados de outros países, especialmente dos EUA”. Ou seja, A Petrobras exporta o petróleo cru e importa os derivados refinados dos EUA. O diesel importado dos EUA que em 2015 respondia por 41% do total, em 2017 superou 80% do total importado pelo Brasil. Dessa forma, geramos um lucro gigantesco aos EUA e altos preços aqui no Brasil. É no mínimo uma loucura! As empresas internacionais e as concorrentes privadas ganham e os/as brasileiros/as perdem. A associação alertou que os principais beneficiados nesse período foram os "produtores norte-americanos, os traders multinacionais, os importadores e distribuidores de capital privado no Brasil".

Sem tocar nessas questões citadas, Temer promete mexer no CIDI, a Petrobras nos preços e os deputados aprovaram zerar o PIS/Confins do diesel. A previsão é de 14 bilhões a menos nos cofres públicos. De onde retirarão para cobrirem isso? É um tipo de política do “cobre pés e destapa peito”. O que adianta retirar os tributos se a política “American First” continua? E a reforma tributária, não deveria ser o caminho necessário? E a Dívida Pública? Ninguém fala disso? A Dívida Pública é um valor que o Governo paga aos investidores com quem pega dinheiro emprestado para sanar suas dívidas. Como faz isso? Por meio de Títulos de Dívidas? Quem pode “emprestar” ao Governo? Qualquer um que comprar esses títulos. E os que mais compram são os fundos de investimento e bancos. Adivinha, então, a quem o governo deve mais? Ou seja, mais uma vez vamos ficar discutindo questões da superfície e não das estruturas. E os caminhoneiros? Bom, em emergências, medidas emergenciais são inevitáveis. Contudo, se não houver mudanças profundas e sistêmicas teremos outros setores “parando tudo”.

sábado, 5 de maio de 2018

Tardei





Nestes dias, ouvi com amigos da pastoral poética a música "Tardei" de Rodrigo Amarante. Canção densa e leve, com letra polissêmica e capaz de levar cada ouvinte, a partir do lugar de escuta, às memorias, caminhos e escolhas mais íntimos. As palavras da canção são como teias de ferro, aparentemente frágeis, contudo duríssimas! A letra é cercada pelo dedilhar despretensioso do violão triste. No fundo, como coro nebuloso ouvem-se vozes femininas soprando "uuh" monossilábico.

No clipe, Amarante anda por lugares montanhosos e o mar revolto faz o enquadramento das imagens. Sinuosamente, como um rio, o músico aparece sentado em um cômodo antigo e cheio de coisas velhas, de onde olha-nos nos olhos, no fundo, sem nos permitir fingir ou disfarçar que não seja conosco.

O compositor, ao comentar sobre a obra (pecado imperdoável), diz ser uma caminhada pelas lembranças da infância. Tudo bem, eu entendo. Mas é mais, muito mais! A música fala para e a respeito de qualquer alma desejosa por um lugar.

A canção abre o primeiro verso confessando "tardei". O substantivo comum para falar do atraso, torna-se verbo e explica-nos a respeito de sua chegada tarde. Há na estrofe celebração por ter enfim atracado sua nau. No entendo, certeza de ter encontrado onde deveria estar é relativizada quando pergunta "onde está meu lugar?".

Amarante cita alguns instrumentos religiosos trazidos nas mãos, aos quais banha no rio em um tipo de rito. Contudo, o compositor avança no limiar da linguagem e admite ser só agora, na volta dessa caminhada, o tempo oportuno para perceber a senda por onde passou para ir aonde de onde chegou. Somente na volta pode saber como saiu e o que foi deixando. A canção celebra a maturidade do retorno. Ir por vezes é impulso, mas a volta é tempo de prestação de contas: para cada filho pródigo, um pai por quem precisará ser abraçado. Para o ex-membro do Los Hermanos, seu retorno é o encontro com aquelas memorias sinalizadas pelo fio de conta e rosário banhados. Se para ele essa é a razão, cada ouvinte encontrará às suas.

Mesmo afirmando ter chegado e pela primeira vez nunca mais partir, "desceu pelo rio/ da terra pro mar/ um fio de prata que me leva". É chegada tal qual um objeto jogado no rio cuja permanência é instável. Por mais tarde a volta, sempre cedo será a partida para todo/a aquele/a com coragem para vencer a segurança das afirmações inquestionáveis ou dogmatismos intolerantemente estabelecidos, as vezes, por nós mesmos. Não partir acaba nos impendido de aprendermos um pouco mais, simplesmente porque elimina as voltas, através das quais percebemos as sendas.

A imagem de fechamento do vídeo é o mar com ondas fortes. Ele encontrou o lugar, "tardando", mas o caos ainda está lá, mesmo na segurança da chegada. Que bom! Muito bom! Não tenho vocação para chegadas, gosto mais das voltas. Aprendi isso com o mestre de Nazaré, pois ele sabe bem sobre a transitoriedade dos lugares fixos, preságios da cruz.