É com muita alegria que anuncio o lançamento do meu livro: "Os anjos que caíram do céu. O livro de 1 Enoque e o demoníaco no mundo judaico-cristão". Segui abaixo a apresentação feita pelo professor Dr. Paulo Nogueira da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
"Nas últimas
décadas, principalmente a partir dos anos 90, a pesquisa bíblica passou por
mudanças de direção muito importantes. Uma delas se refere ao fato de que os
textos chamados de apócrifos, sejam do AT, sejam do NT, deveriam
definitivamente “sair do armário”. Se antes o seu estudo era entendido como
tarefa de pesquisadores esotéricos ou ultraespecializados, agora eles são parte
da formação de todos aqueles que querem estudar a Bíblia, e, em especial, o
cristianismo primitivo. Os motivos desta mudança devem ser encontrados na
reflexão crítica sobre o cânon bíblico e com as novas perspectivas
historiográficas que foram inseridas nos estudos exegéticos. Se antes se
buscava no texto bíblico apenas doutrinas e fatos históricos, agora há uma
salutar abertura para o universo cultural e religioso dos primeiros cristãos. E
como eles eram, em sua maioria, judeus ou gentios afeitos à cultura judaica do
seu tempo, o mergulho na literatura religiosa judaica do seu tempo é imperativo.
Antes, as origens das ideias e expressões neotestamentárias eram encontradas
quase que exclusivamente no Antigo Testamento, hoje este pressuposto é
considerada anacrônica. O Antigo Testamento só pode ser origem das ideias
religiosas do cristianismo primitivo se estudado por meio do seu grande filtro mediador
cultural: a chamada literatura do Segundo Templo. Trata-se de uma grande
biblioteca composta pelos escritos pseudepigráficos e pelos Manuscritos do Mar
Morto. Neles encontramos uma infinidade de gêneros: viagens ao além-mundo,
relatos de visões, mitos das origens, textos litúrgicos, interpretações da lei,
relatos históricos, etc. Dentre estes textos destacamos um conjunto que é da
maior importância para o estudioso do Cristianismo Primitivo: os escritos de
Enoque. Trata-se de cinco apocalipses compostos entre o século III ou II a.C. e
I d.C. atribuídos a Enoque, o visionário e sábio por excelência. Nos seus
relatos encontramos um saber enciclopédico: das origens ao fim da história, da
estrutura do cosmo ao sentido da história de Israel. Tudo está lá. E como o
cristianismo não nasceu num vácuo cultural, ele também bebeu desta fonte, em
parte mediada pela cultura popular e pela oralidade, é verdade. Neste novo
momento dos estudos bíblicos podemos dizer sem medo: somos todos Enóquicos!
É no contexto
desta vertente contemporânea dos estudos bíblicos que se origina o trabalho que
tenho a honra de apresentar. Com erudição, perspicácia exegética e histórica
Kenner Terra nos conduz por um universo das narrativas míticas das origens, de
um tempo que os seres angélicos e os humanos se relacionavam, sem garantia de
bons resultados para ambos. É nestas narrativas sobre o tempo da origem que
esta cultura expressa suas ficções fundadoras, suas categorias antropológicas e
suas concepções psicológicas. Neste solo fértil da cultura judaica Kenner vai
explorar o surgimento das ideias sobre o mal e o demoníaco; tema de tanta
importância para compreendermos as sociedades do passado. Mas só do passado?
Não exerce o mal ainda horror e fascínio sobre todos nós? Na verdade estes
textos antigos têm o poder de nos conduzir por reflexões complexas e da maior atualidade.
Afinal, quem se antecipou a relacionar o demoníaco com temas ecológicos e
sociais se não Enoque, o visionário do tempo primordial? Estes textos também
nos permitem um olhar mais rico sobre as crenças em espíritos imundos e
demônios nos evangelhos e na tradição de Jesus. Em tempos de demônios
domesticados nos programas de TV, esta redescoberta da dimensão cultural do
demoníaco nos evangelhos pode ser fonte de surpresas fascinantes. Descobriremos as transições pelas quais o mito
passou até as formas assumidas na narrativa sinótica. Perceberemos também como
os personagens mudam, adaptam-se e ficam cada vez mais adaptados a novos
tempos. De guardiões, se transformam em demônios."
Carapicuíba, agosto de 2012.
Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira
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