A Primeira Carta aos Coríntios traz uma passagem bastante obscura, mas
que se clareia ao conhecermos o Mito dos Vigilantes. Diz o texto: “Sendo assim,
a mulher deve trazer sobre a cabeça o sinal da sua dependência, por causa dos
anjos” (11,10). Soltar os cabelos na tradição judaica e romana era extremamente
libidinoso[4]. Por
isso, Paulo pede para esconder esta parte erótica da mulher, porque poderia
seduzir os anjos, como aconteceu em tempos primordiais, como dizia Mito dos Vigilantes.
Ou seja, mais uma vez a mulher e sua beleza tornam-se ameaças à ordem
estabelecida nos céus.
Nas cartas pastorais aparece a mesma ideia. Em 1 Tm 3,11 a mulher não deveria
ser maldizente, que em grego provém a mesma palavra para diabo. Em 1 Tm
2,12-15, mesmo que se remonte a narrativa de Adão e Eva, ainda trás a figura
perigosa da mulher, por isso deveria ficar calada, e se limitar a maternidade,
para sua salvação. Em 1 Pe 3,3-4 como é feito no Testamento de Rubens e 1 Tm 2,9-11, os enfeites e adornos são
colocados em segundo plano, para que a modéstia e submissão sejam prioridades. Vemos
o controle do corpo da mulher representado no discurso em torno da roupa e a ornamentação,
fruto do pavor à potencialidade sexual da mulher.
Em Ap 9, 8 os terríveis gafanhotos tinham os cabelos de mulher. Mesmo
que aqui se refira à opressão imperial, é a imagética da mulher e seu poder
sexual que está na linguagem simbólica.
Outro texto da tradição judaica é o livro do Séc. II d.C, 2 Enoque. Neste, fala-se dos grigori, que são os Vigilantes em versão
grega. No texto, as mulheres são responsáveis pelos pecados dos anjos. Em 2
Enoque de forma direta a mulher é culpada pela queda e desgraça dos seres
celestiais, pois tinham nas mãos o poder da dominação pela beleza.
Esta mesma imagem da sexualidade e da mulher influenciou teólogos
cristãos dos séculos posteriores como Justino Mártir, Irineu, Tertuliano e outros.
O próprio Tertuliano, tendo a imagética do Mito dos Vigilantes, escreveu:
[...] esses anjos, com inteligência, que
fugiram do céu em busca das filhas de homens; de forma que esta
ignomínia também se prende à mulher. De uma época muito mais ignorante
(que a nossa) eles revelaram certas substâncias de material bem-ocultas,
e várias artes científicas bem-reveladas – se é verdade que eles tinham
revelado o manejo da metalurgia, e tinham divulgado as propriedades
naturais de ervas, e tinham promulgado os poderes de encantos, e tinha revelado
toda arte misteriosa, até mesmo a interpretação das estrelas – e particularmente
às mulheres, eles comunicaram corretamente a arte instrumental malévola de
ornamentação feminina, os brilhos de jóias como colares são combinados em
diversas cores, e os braceletes de ouro, e produtos de tingimento com os quais
a lã é colorida, e aquele pó negro, com o qual são feitos as pálpebras e cílios
proeminentes. (De cultu feminarum ii.10,2-3).
Considerações Finais:
O corpo é o lugar onde fica escrita a história[5], nele a história deixa suas marcas. No caso das imagens encontradas nas
tradições aqui citadas o corpo da mulher é perigoso e amedrontador, porque é
causador de catástrofes cósmicas. Muitos outros textos da tradição testemunham
como a parte da religiosidade judaico-cristã, mesmo não tendo raízes no Mito dos
Vigilantes, culpou a mulher pelos males desse mundo, como o Testamento de Jó, Eclesiástico 25,24 e Vida de Adão e Eva. Para termos ideia, neste último
encontramos a cumplicidade entre Eva e a serpente do paraíso. Por isso, tanto
ódio contra a mulher e tudo que estivesse ligado ao feminino.
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[1] VANDERKAM J. Enoc and the
Growth of an apocalyptic Tradition. CBQMS 16. Washington, DC: CBA, 1984; VANDERKAM
J. The Interpretation of Genesis in 1 Enoch. In: FLINT, P.W. (ed.). The Bible at Qumran. Text, Shape and Interpretation. Grand
Rapids:CBA, 2000.
[2] Para uma
lista maia completa dos textos de Qumran que têm a presença do Mito dos
Vigilantes ver: TERRA,
Kenner R. C. De guardiões a demônios: a história do imaginário do pneûma akátharton
e sua relação com o Mito dos Vigilantes. 139p. Dissertação – Universidade
Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010; VANDERKAM, James C. Enoch,
a Man for All Generations. Columbia: University of South Carolina Press, 1995.
[3] CHARLES, R. H. The Book of Enoch
or I Enoch. Oxford: Clarendon, 1912 (em especial o capítulo “The Influence
of 1 Enoch on the New Testament”, p. 182).
[4] Ver. SEBASTA, J. L.
Women’s Costume and Feminine Civic Morality in Augustan Rome. In: Gender e History 9/3, p.529-541, 1997.
[5]
BERGESCH, Karem. Violência Contra a Mulher – uma perspectiva foucauliana. In:
MARG, J. Ströher (org). À Flor da Pele.
Ensaios sobre gênero e corporeidade. São Leopoldo: Sinodal/CEBI, 2004.
Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
ResponderExcluirreparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
decerto que virei aqui mais vezes.
Sou António Batalha.
Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.