O
decreto de flexibilização do Estatuto do Desarmamento, segundo o presidente,
resolveu especialmente o subjetivismo da exigência de comprovação da “efetiva
necessidade” na obtenção de arma de fogo, prevista no artigo 12 do Estatuto.
Agora, além dos agentes públicos (inclusive os inativos) da área de segurança,
militares (ativos e inativos), colecionadores e caçadores, as famílias
residentes em área rural e em cidades que tenham taxas acima de dez homicídios
por cem mil habitantes também poderão possuir armas em casa. Como dizem seus
defensores, seria mais um passo ao direito de defesa, luta contra os criminosos
impunes e a possibilidade de proteção da família.
Mesmo
com aparência de legitimidade (quem não concordaria em proteger sua família?),
essa nova regulamentação precisa ser vista a partir de duas desconfianças: (1)
os interesses corporativos e (2) possível “tiro no pé” (para usar um
trocadilho).
Quem
imediatamente ganha com esse decreto são as empresas de armas e seus tentáculos
de mercado. Dados do ano passado mostram que mesmo sob o antigo estatuto há
mais de 600 mil armas nas mãos de civis brasileiros. Com o novo decreto, o
empreendimento da Taurus, por exemplo, lucrará assustadoramente. Os negócios
melhorarão para essas corporações também porque a canetada presidencial
permitiu a compra de 4 armas por titular, com possível acréscimo desse número
caso o interessado tenha, por exemplo, mais de uma propriedade rural.
Consequentemente, antes mesmo do interesse público, essa mudança já é celebrada
pelo mercado das armas, talvez o maior beneficiado. Lembrando que o referendo
de 2005 era em relação à comercialização e não posse de armas e pesquisas
atuais mostram que 61% são contra a liberação. Outra parte importante da
mudança é que o Brasil inteiro se encaixa nos dados apresentados pelo Atlas da
Violência de 2018! Ou seja, o mercado terá grandes tendas. Mais um detalhe,
somando a compra e procedimentos para aquisição da arma, o gasto chegaria a 10
mil reais! “O direito de defesa” seria um bem acessado por quem? Sinceramente,
a serviço de quais interesses essa mudança está?
Outro
ponto, e chamo de “tiro no pé”, desse decreto é a visão de funcionamento social
das suas bases. Se morar em cidade violenta legitima armar a população, então,
significa que cidadão armado em casa garante proteção, inibe crimes (furto de
casas etc.), coloca nas mãos do “pai de família” o direito de defender seu lar
(“se um criminoso tem armas, por que um cidadão de bem não pode ter”?) e,
naturalmente, resolve de maneira imediata a violência – bingo! No entanto, esse
raciocínio é, no mínimo, simplista, para não dizer irresponsável. Veja alguns
dados. Pesquisas mostram que parte das armas de fogo utilizadas em ocorrências
criminosas foi originalmente vendida de forma legítima a cidadãos
autorizados, os quais tiveram a arma desviada ou roubada. Se a questão é
rivalizar com os meliantes, saiba que o tiro pode sair pela culatra. Outra
coisa, estar armado em casa não diminuirá a violência na cidade. Daí você
diria: – “então melhor mesmo seria o porte”. Claro que não (!), até a Bancada
da Bala é contra esse absurdo. Como mostram pesquisas expostas no Fórum de
Segurança Pública, mesmo com os procedimentos necessários para o registro,
legítimo agora por 10 anos, estar armado significa mais risco e os dados reais
de violência por questões torpes ou fúteis (brigas de trânsito, discussões em
etc.) provam isso. Não se iluda, mesmo sendo somente a posse, como já acontece
hoje, o número de armas em carros e na cintura vai aumentar.
Mais
um dado, metade das mulheres mortas em 2016 foi por arma de fogo e contra
essas, como é comum no feminicídio, grande parte dos crimes aconteceu no
espaço doméstico. Contrariando o que se imagina, família com armas em casa não
inibe o furto (ladrões adoram roubá-las) e coloca o lar em maiores perigos
externos e internos. Dessa forma, estar armado, inclusive na rua, não
representa defesa contra o criminoso ou diminuição da violência. Nos nove anos
anteriores ao Estatuto do Desarmamento, de 1995 para 2003, a taxa de homicídios
aumentou 21,4%. Nos nove anos seguintes, de 2003 para 2012, a taxa de
homicídios aumentou somente 0,3% (Revista Época). Continuando os exemplos, nós
acompanhamos assustados a quantidade de policiais assassinados em assaltos,
enquanto estavam de folga, ao serem identificadas as suas armas. Talvez, esse
pode ser um doloroso tiro em nosso próprio pé!
Não
é clichê, o caminho para diminuirmos a violência nas cidades não é armando as
pessoas, mas com políticas públicas, combate (especialmente nas fronteiras) ao
mercado ilegal de armas e promoção da cultura da paz. Países como Japão e
Cingapura, onde a posse é proibida, há 0,3 homicídios por 100 mil habitantes.
Ou seja, ter posse de armas não diminuirá a violência e nem produzirá
segurança, mas intensificará o problema. O princípio da renúncia do exercício
da violência em favor de uma autoridade maior é fundamental no processo
civilizatório. É simples: ao cidadão cabe contribuir com seus impostos e ao
Estado garantir a proteção e os demais direitos. Continua sendo mais
inteligente, mesmo parecendo fraqueza, o não enfrentamento durante um assalto
ou crime; e nem isso é garantia de preservação da vida.
Por
fim, com a ariscada multiplicação de pessoas armadas, a Igreja precisa promover
o cultivo de práticas pacificadoras, abrir seus espaços institucionais para
discussões a respeito do combate à violência e intensificar o anúncio do valor
da vida, os quais são assuntos tão caros ao Evangelho de Cristo .
Vc esqueceu de citar que a impunidade tb é um incentivo a violência, e que o nosso código penal arcaico,precisa passar por uma reformulação com urgência! Leis severas para quem vive na pratica de crimes. nada de progressão de penas,se foi condenado a 30 anos,que cumpra os 30 anos atrás das grades!
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