sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

"Diabo e Satanás: Pequena ajuda para os professores da EBD - CPAD" .






Um amigo pediu-me que falasse um pouco a respeito desse tema por ser professor de EBD em uma Assembleia de Deus. Pelo que parece, esse é o assunto do trimestre. Como tenho outros interessados aqui no assunto, disponibilizarei minha resposta.
Sobre a discussão em relação à origem do (s) demônio (s) no NT, há alguns pontos:
1. A imagem do demoníaco, ou seja, a forma narrativa como são descritos no NT tem sua origem em textos do AT e, especialmente, ou quase totalmente, na literatura do Segundo Templo (livros pseudepígrafos e apócrifos - especialmente na literatura conhecida como “apocalíptica”). O AT não fala de demônios contrários a Deus ou de algum líder de um exército maligno contra os planos divinos, como Belzebu ou Satanás do NT. Por exemplo, Satã no AT é o termo usado para quaisquer adversários históricos (Sl 71.13; 1Sm 29.4), em Jó ele está entre os Ben Elohim (filhos de Deus), em Zc está na corte celestial. Por exemplo, o "espírito" que possessa Saul em 1Sm 16.14 vem da parte de Deus e o espírito de mentira na boca dos profetas tem origem, também, “da parte de Javé” (2Cr 18). Com esses e outros exemplos, percebemos que a ideia do "diabo", como vemos no NT, não está presente no AT, o que não poderíamos dizer em relação à literatura pós-AT (literatura judaica e cristã do Segundo Templo).
2. As narrativas do NT, especialmente os sinóticos, constroem seus textos pressupondo que eles existam e atuam na vida das pessoas. Não há nenhuma explicação de sua origem ou fonte de poder. Contrariando algumas interpretações, Lc 10.18 não é uma descrição de anjos que caem, mas a vitória dos discípulos quando Jesus os enviou. A ideia de um ser expulso da região celestial (“Lúcifer”) por arrogância é uma interpretação patrística a Is e Ez para a origem do diabo. Além disso, foi a Vulgata (tradução para o Latim) que traduziu Helel Ben-Shahar (Helel, filho da manhã) por Lúcifer, que seria o mesmo termo usado pelos romanos para se referir a uma estrela visível nas manhãs mediterrâneas. Na literatura profética, essa expressão em hebraico foi usada como metáfora para descrever a grandeza de um rei que cairia (Is 14). Por isso, em Is 14 – como também em Ez 28 – não há referência a anjo ou ser celestial. No entanto, é possível encontrar indícios em Is da narrativa ugarítica a respeito da queda de Attar, mas no profeta refere-se ou é aplicada à queda do rei da Babilônia, como o próprio texto já informa. Basta ler contexto e isso fica claro.
3. Contudo, há um livro muito importante para os Judaísmos e Cristianismos das origens no qual encontramos, sim, a relação entre a origem dos demônios com a queda de anjos: 1 Enoque (séc. III-II a.C). Nesse texto é narrado que os anjos (Vigilantes) se apaixonaram pelas mulheres, desceram, tiveram filhos com elas (chamados de Gigantes - releitura de Gn) e, depois do dilúvio, uma vez que seus pais (os vigilantes) são presos, os Gigantes são mortos. Dos seus corpos, segundo o texto (1En 19), saem seus espíritos, chamados de "espíritos imundos" cujas ações são aterrorizantes e malignas. No decorrer dos séculos, essa obra influenciou outros livros judaicos e, também, cristãos (1Pd 3.19; Judas etc.). Entre eles o livro de Jubileus (obra judaica do séc. II a.C.), no qual se afirma que esses espíritos que saíram dos corpos dos Gigantes tinham um líder, Mastemas, e causavam males aos homens. Em Qumran (manuscritos encontrados a partir de 1947 perto do Mar Morto) há textos de exorcismos nos quais são citados os "espíritos imundos". Essas imagens são bem próximas do imaginário demonológico neotestamentário. Então, podemos dizer que aqui há uma tentativa judaica para explicar a origem dos demônios e de um chefe entre eles. Possivelmente, com objetivos diferentes, Ap 12 esteja ecoando essas narrativas.
4. Por isso, não temos na tradição bíblica uma explicação substancial a respeito da origem do diabo e dos demônios. O NT antes pressupõe a existência desses seres do que explica sua origem.
Mais informações você pode encontrar no livro que escrevi (resultado da minha dissertação) e alguns artigos que publiquei.

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