quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Os dois discursos de posse do Bolsonaro




Ao ouvir os dois discursos do Bolsonaro fiquei com a impressão de que o novo presidente ainda está em campanha. Por várias vezes repetiu as frases e slogans da caminha presidencial, voltou a falar sobre o “fim do socialismo no Brasil”, citou a nomenclatura “cidadão de bem”, criticou os direitos humanos e até decretou o encerramento do “politicamente correto”. O pior foi ouvi-lo afirmar que libertará o povo do jugo da submissão ideológica. Será que somos tão irresponsavelmente desinformados a ponto de não percebermos o quanto isso é contraditório? Como explica Hall, "ideologia é uma estrutura mental – as linguagens, os conceitos, imagens do pensamento e os sistemas de representação – empregada por diferentes classes e grupos sociais para dar sentido, definir, figurar e dar inteligibilidade à maneira como a sociedade funciona". De maneira mais direta: ideologia é uma forma de compreender o mundo de determinados grupos sociais. Por isso, não existe discurso que não represente uma compreensão de mundo; não há projeto político que não seja ideológico. Entendeu? Então, o pronunciamento de Bolsonaro ecoa perspectivas ideológicas. Quando desqualifica o que chama de "politicamente correto", afirma a lógica meritória (preciso lembrar: não há mérito quando não há equidade de oportunidades), quando fala de "nossos valores",quando defende o livre mercado e a competitividade ou diz que o povo começou a se libertar do socialismo, ele está falando a partir de um lugar ideológico! Em suma, as suas falas carregam um tipo de ideologia política. As escolhas dos ministros, por exemplo, mostram como suas perspectivas ideológicas modelarão as políticas econômicas, tributárias, sociais, ecológicas do Brasil em seu governo. A pergunta é simples: as perspectivas ideológicas de Bolsonaro e dos seus colegas de governo favorecerão a quais grupos deste país?

Para construirmos uma nação livre, como o presidente defendeu, a pluralidade deve ser respeitada. O Estado não é regido por horizontes e interesses morais religiosos, mas pela Constituição. Sou pastor e evangélico, mas não posso cair na tentação posta pelo discurso bolsonariano. Sei que estamos em um Estado Democrático de Direito e não numa oligarquia cristã fundamentalista. Por isso, não devo me empolgar com esse tipo de fala, porque favorece somente uma parte da população.

“Nossa bandeira jamais será vermelha”, disse o Presidente, apresentando-se como um tipo de libertador contra o “comunismo”. Seria, segundo ele, o fim do “socialismo no Brasil”. O que ele está chamando de socialismo? O Brasil nunca foi socialista! Essa fala somente aprofunda a guerra vivida nas eleições de 2018, não gera conciliação nacional e corre o risco de demonizar as discussões sobre justiça social, direitos, políticas sociais e cria desconfiança contra os que fazem leituras mais críticas a respeito dos sistemas político-sociais. O seu discurso é preocupante por ser ele o presidente de um país democrático e a presença da oposição é fundamental e saudável.

Em seus pronunciamentos ele usou novamente a frase de efeito “contra a corrupção”. Contudo, estamos acompanhando de perto as histórias com pouca lisura de alguns de seus ministros, o seu envolvimento e de seus filhos com políticos e assessores suspeitos (o caso Coaf-Queiroz ainda não está resolvido) e suas relações já postas com políticos e partidos imersos na velha e profana política. Por último, Onyx Lorenzoni, o mesmo que pediu desculpas por receber dinheiro não declarado para campanha, admitiu ter usado verba da Câmara para voar pelo país em campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro, o que não é permitido e oneroso para os cofres públicos. Não pode haver seletividade no combate à corrupção ou ao uso indevido de dinheiro público.

As eleições acabaram e Bolsonaro venceu. Frases de efeito e jargões contra o socialismo não resolverão questões econômicas. Ainda, temo que ele esteja chamando de “socialismo” as políticas púbicas de combate à pobreza, a luta por direitos trabalhistas, as políticas de enfrentamento ã violência ou as conquistas sociais. Preocupa-me, também, caso esteja insinuando que o super cuidado com os  interesses de grupos mais ricos do Brasil seja essa tal luta contra os comunistas ou socialismo. Se for isso, espero encontrar no povo de Deus, seguidores de Jesus, uma voz profética e testemunho de fé.

Ah, e o discurso carismático e sensível da primeira-dama? Espero que sua empatia e bonita preocupação não entorpeçam o senso crítico dos brasileiros, especialmente o povo da fé, tornando a Michele Bolsonaro um jardim que cubra correntes.


Um comentário:

  1. �������� ainda que não sou apenas eu que desconfiei dps jargões utilizados, compartilho das suas ideias , pastor! Feliz 2019

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