Acompanhei,
por indicação de um amigo, a discussão travada entre os youtubers Yago Martins
(Yago Martins - Dois Dedos de Teologia) e Bernardo Küster. Tudo começou quando
Yago “refutou” o texto “Por que não sou evangélico” escrito pelo grotesco
(usando um termo bakhtiniano) Olavo de Carvalho cujo principal ponto é a
disputa entre as perspectivas protestantes e católicas sobre a Ceia/Eucaristia.
Por ser um assunto que me interessa, prender a atenção de tantos leitores e estar
ligado à leitura de textos bíblicos, farei algumas considerações tanto a
respeito da querela entre os nobres debatedores quanto ao tema em discussões.
1.
O tal Bernardo é declaradamente discípulo do Olavo e o embate com Yago foi
motivado por tomar as dores de seu mestre. Até aí tudo bem. Contudo, ele abre o
vídeo com uma série de desrespeitos, desonestidade intelectual, arrogância
patológica e, talvez, mentiras. A maneira indelicada quando se refere ao seu
adversário me pareceu muito “esquisita”. Para desqualificar seu interlocutor,
afirma ter estudado um período na mesma instituição onde Yago terminou seus
estudos teológicos. Bernardo diz (acredite!) ser a Faculdade Teológica Sul
Americana academicamente fraca e ideologicamente contaminada. Tentando ilustrar,
conta que os professores não sabiam nada a respeito da Patrística a ponto de
irem até ele em busca de conteúdo. Contudo, a loucura não fica só nisso. Ele
diz conhecer todo o corpo docente da instituição, inclusive o prof. Julio
Zabatiero, a quem, como afirma no vídeo, humilhou intelectualmente depois de
difícil discussão. Segundo o “grande ex-aluno”, Julio, envergonhado pelo
nocaute teológico, nunca mais voltou para a mesma sala de aula. Perdoem-me o
juízo de valor, mas para quem conhece o brilhantismo do Julio e sua capacidade
argumentativa, ouvir isso é risível: esse rapaz além de hiperconservador é tão
arrogante que se aproxima da loucura. No fundo, acho ser ele um grande
mentiroso. Mesmo que isso tenha acontecido, o que acredito ser impossível, não
é honesto desmontar o argumento do seu oponente de debate desqualificando seus
professores ou sua instituição. Se for assim, onde seu guru formou-se? Seu
doutorado foi defendido em que Universidade, mesmo? Outra coisa, Küster diz ser
um ex-teólogo protestante muito estimado cuja reputação foi jogada ao
ostracismo depois de se tornar católico. Confesso: nunca ouvi falar do
"grande teólogo" Bernardo Küster.
2.
Realmente, o texto do idiocrático Olavo é recheado de generalizações,
imprecisões históricas e erros teológicos. O paladino do saber diz que Jesus
nunca nos recomendou “a leitura do grande livro”. Ora, se Olavo interpreta como
uma recomendação à leitura da Bíblia como a temos hoje, isso seria um equivoco
óbvio, porque só havia a Bíblia Hebraica, a LXX e os pseudepígrafos. Ainda, ele
diz: “O que Ele diz, isto sim, e com palavras inconfundíveis, é que a salvação,
o ingresso na vida eterna, só vem por um único meio: comer o Seu Corpo e beber
o Seu sangue”. Não, Jesus não diz isso! Se ele for literalista como exige em
sua refutação ao Yago ou na maneira como tenta fazer, nem Lc ou 1Co fazem essa
firmação. O pior vem na mesma argumentação: “Nem mesmo um retardado mental pode
confundir essas duas ações com a leitura de um livro, por santo e sublime que
seja”. Se no texto ele deseja indicar o equívoco do "biblismo"
(biblicismo?) protestante, seria um erro simplório afirmar que os protestantes,
representados por Lutero e Calvino, citados no texto, acreditam que lendo a
Bíblia serão salvos ou entrarão na vida eterna. Se lermos isso com as outras
partes do seu texto, perceberemos que Olavo coloca lado a lado duas possíveis
opções para a salvação: a. por meio da leitura bíblica ou b. mediante a
participação no sacramento da Eucaristia. Essa interpretação desvairada sobre a
Teologia da Palavra de Deus em Lutero ou alguns protestantes, confirma-se na
seguinte afirmação: “Recusando-se a obedecer a ordem explícita de Jesus Cristo,
Lutero, Calvino e tutti quanti instituíram em lugar dela o biblismo, o culto do
texto bíblico, fazendo deste, em vez da Eucaristia (...).” Quem conhece um
pouco da teologia de Lutero, por exemplo, sabe que Palavra de Deus e texto
bíblico não são a mesma coisa, o que não o colocaria entre os literalistas
bíblicos. E, pior, qualquer protestante ligado às reformas europeias sabe que
salvação, em suma, é pela Graça mediante a fé, em Cristo, e não por qualquer
outro mediador. A Bíblia, nesse sentido, seria o lugar no qual se acessa a
revelação sobre Jesus e sua graça. Por isso, Olavo e Bernardo demonstram total
desconhecimento a respeito da teologia ou teologias protestantes. E sobre
“comer o Seu Corpo e beber o Seu sangue” como “único” meio para “vida eterna”,
não é uma clara proposição da tradição católica. Mesmo que seja intuído pela
teologia do sacramento, essa afirmação rápida feita por Olavo não dá conta de
uma série de problemas e necessárias explicações. Além disso, em Rm 10.9 temos
uma afirmação paulina a respeito de salvação que não se enquadra na mediação
proposta por Olavo de Carvalho: “A saber: Se com a tua boca confessares ao
Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos,
serás salvo”. A bíblia tem muitas vozes, entre as quais não está a olaviana.
3.
A respeito dos textos usados por Olavo de Carvalho e os termos gregos, creio
que transliterar o “úpsilon” com “u”ou com “y” não seja o grande problema,
mesmo que o Yago tenha indicado outra possibilidade à proposta do Olavo de
Carvalho. Infeliz, na verdade, é a maneira como os textos de Lc 22.19 e 1Co
11.24-26 são lidos. No primeiro, diferentemente dos outros sinóticos, depois de
partir o pão e dizer que “toûtó estin tó soma mou tó húper humôn didómenon”
(“este é o corpo meu o qual por vós (foi) dado” – traduzindo de maneira mais
próxima da estrutura original), Jesus diz que “toûto poieîte eis tén emén
anámnesin” (“isto fazei para a minha memória/lembrança”). O “isto” que deveriam
fazer (poieîte) se refere não ao pão se tornar em corpo ou vinho em sangue,
numa espécie de primeiro ato de transubstanciação, mas ao rito que será tratado
como uma lembrança (“anamnesin”). No outro texto, Paulo segue a tradição
lucana, deixando de lado os textos de Mt e Mc, e afirma ser esse rito um
memorial (1Co 11.25) o que servirá de “anúncio” da morte até que “Ele venha”
(v.27). Mesmo respeitando a legitimidade da tradição em torno da
transubstanciação, nos textos citados, pelo menos para os protestantes, não
podemos pressupor sua presença somente pelo uso do “isto”, como insiste Olavo
de Carvalho e seu “pequeno gafanhoto”. E mais improvável seria afirmar que
Jesus esteja dizendo ser esse rito o “único” caminho para a salvação, como
afirma o texto olaviano. Depois desse arrazoado, fica claro o equívoco em
colocar lado a lado “salvação pela Bíblia” e/ou “salvação mediante a eucaristia”
como caminhos opostos do Protestantismo e Catolicismo. Então, a afirmação “É
meu direito e meu dever considerar isso uma heresia, um escarnio e um
escândalo, temendo pelo destino eterno de todos os que se deixaram enganar por
tão grosseira patifaria” não passa de preocupação desnecessária e caricatura
simplista do pseudoteólogo Olavo de Carvalho.
4.
Tanto a leitura do Bernardo quanto a do Olavo são infantis e não levam em
consideração até mesmo as indicações da Encíclica Divino Afflante Spiritu que
critica leituras fundamentalistas e literalistas, defendendo a importância da
compreensão dos gêneros literários e seus contextos histórico-culturais.
Percebe-se isso, por exemplo, quando Olavo de Carvalho e seu pupilo confundem
as palavras de Jesus com a redação dos evangelistas. Ou seja, a imagem deixada
é de total ignorância a respeito das pesquisas neotestamentárias.
5.
Se essas forem as razões da negação de legitimidade do Protestantismo a ponto
de Olavo se afirmar um católico convicto, está provado que suas certezas são
muito frágeis. No entanto, isso é bom, porque gera humildade diante das
afirmações sobre a fé ou Tradição. Por outro lado, como a humildade não está
entre as características do Bernardo e Olavo, talvez, só lhes resta a obtusa
ignorância.
Opa,
não poderia me esquecer. Como gostam de fazer, permitam-me chamar vocês dois,
Olavo e Bernardo, de idiotas, burros, ignorantes etc. Tenho a liberdade de
tratá-los assim, reproduzindo a maneira como vocês se reportam aos seus
“mortais” interlocutores. Desculpe-me, é só uma brincadeira. Quis somente dar a
vocês um pouco do próprio elixir.
Não
tem jeito, na terra de cego quem tem um olho é... olavete (kkk)
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