quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Olavo de Carvalho, Bernardo Küster e Yago Martins: na terra de cego quem tem um olho só é...




Acompanhei, por indicação de um amigo, a discussão travada entre os youtubers Yago Martins (Yago Martins - Dois Dedos de Teologia) e Bernardo Küster. Tudo começou quando Yago “refutou” o texto “Por que não sou evangélico” escrito pelo grotesco (usando um termo bakhtiniano) Olavo de Carvalho cujo principal ponto é a disputa entre as perspectivas protestantes e católicas sobre a Ceia/Eucaristia. Por ser um assunto que me interessa, prender a atenção de tantos leitores e estar ligado à leitura de textos bíblicos, farei algumas considerações tanto a respeito da querela entre os nobres debatedores quanto ao tema em discussões.

1. O tal Bernardo é declaradamente discípulo do Olavo e o embate com Yago foi motivado por tomar as dores de seu mestre. Até aí tudo bem. Contudo, ele abre o vídeo com uma série de desrespeitos, desonestidade intelectual, arrogância patológica e, talvez, mentiras. A maneira indelicada quando se refere ao seu adversário me pareceu muito “esquisita”. Para desqualificar seu interlocutor, afirma ter estudado um período na mesma instituição onde Yago terminou seus estudos teológicos. Bernardo diz (acredite!) ser a Faculdade Teológica Sul Americana academicamente fraca e ideologicamente contaminada. Tentando ilustrar, conta que os professores não sabiam nada a respeito da Patrística a ponto de irem até ele em busca de conteúdo. Contudo, a loucura não fica só nisso. Ele diz conhecer todo o corpo docente da instituição, inclusive o prof. Julio Zabatiero, a quem, como afirma no vídeo, humilhou intelectualmente depois de difícil discussão. Segundo o “grande ex-aluno”, Julio, envergonhado pelo nocaute teológico, nunca mais voltou para a mesma sala de aula. Perdoem-me o juízo de valor, mas para quem conhece o brilhantismo do Julio e sua capacidade argumentativa, ouvir isso é risível: esse rapaz além de hiperconservador é tão arrogante que se aproxima da loucura. No fundo, acho ser ele um grande mentiroso. Mesmo que isso tenha acontecido, o que acredito ser impossível, não é honesto desmontar o argumento do seu oponente de debate desqualificando seus professores ou sua instituição. Se for assim, onde seu guru formou-se? Seu doutorado foi defendido em que Universidade, mesmo? Outra coisa, Küster diz ser um ex-teólogo protestante muito estimado cuja reputação foi jogada ao ostracismo depois de se tornar católico. Confesso: nunca ouvi falar do "grande teólogo" Bernardo Küster.

2. Realmente, o texto do idiocrático Olavo é recheado de generalizações, imprecisões históricas e erros teológicos. O paladino do saber diz que Jesus nunca nos recomendou “a leitura do grande livro”. Ora, se Olavo interpreta como uma recomendação à leitura da Bíblia como a temos hoje, isso seria um equivoco óbvio, porque só havia a Bíblia Hebraica, a LXX e os pseudepígrafos. Ainda, ele diz: “O que Ele diz, isto sim, e com palavras inconfundíveis, é que a salvação, o ingresso na vida eterna, só vem por um único meio: comer o Seu Corpo e beber o Seu sangue”. Não, Jesus não diz isso! Se ele for literalista como exige em sua refutação ao Yago ou na maneira como tenta fazer, nem Lc ou 1Co fazem essa firmação. O pior vem na mesma argumentação: “Nem mesmo um retardado mental pode confundir essas duas ações com a leitura de um livro, por santo e sublime que seja”. Se no texto ele deseja indicar o equívoco do "biblismo" (biblicismo?) protestante, seria um erro simplório afirmar que os protestantes, representados por Lutero e Calvino, citados no texto, acreditam que lendo a Bíblia serão salvos ou entrarão na vida eterna. Se lermos isso com as outras partes do seu texto, perceberemos que Olavo coloca lado a lado duas possíveis opções para a salvação: a. por meio da leitura bíblica ou b. mediante a participação no sacramento da Eucaristia. Essa interpretação desvairada sobre a Teologia da Palavra de Deus em Lutero ou alguns protestantes, confirma-se na seguinte afirmação: “Recusando-se a obedecer a ordem explícita de Jesus Cristo, Lutero, Calvino e tutti quanti instituíram em lugar dela o biblismo, o culto do texto bíblico, fazendo deste, em vez da Eucaristia (...).” Quem conhece um pouco da teologia de Lutero, por exemplo, sabe que Palavra de Deus e texto bíblico não são a mesma coisa, o que não o colocaria entre os literalistas bíblicos. E, pior, qualquer protestante ligado às reformas europeias sabe que salvação, em suma, é pela Graça mediante a fé, em Cristo, e não por qualquer outro mediador. A Bíblia, nesse sentido, seria o lugar no qual se acessa a revelação sobre Jesus e sua graça. Por isso, Olavo e Bernardo demonstram total desconhecimento a respeito da teologia ou teologias protestantes. E sobre “comer o Seu Corpo e beber o Seu sangue” como “único” meio para “vida eterna”, não é uma clara proposição da tradição católica. Mesmo que seja intuído pela teologia do sacramento, essa afirmação rápida feita por Olavo não dá conta de uma série de problemas e necessárias explicações. Além disso, em Rm 10.9 temos uma afirmação paulina a respeito de salvação que não se enquadra na mediação proposta por Olavo de Carvalho: “A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”. A bíblia tem muitas vozes, entre as quais não está a olaviana.

3. A respeito dos textos usados por Olavo de Carvalho e os termos gregos, creio que transliterar o “úpsilon” com “u”ou com “y” não seja o grande problema, mesmo que o Yago tenha indicado outra possibilidade à proposta do Olavo de Carvalho. Infeliz, na verdade, é a maneira como os textos de Lc 22.19 e 1Co 11.24-26 são lidos. No primeiro, diferentemente dos outros sinóticos, depois de partir o pão e dizer que “toûtó estin tó soma mou tó húper humôn didómenon” (“este é o corpo meu o qual por vós (foi) dado” – traduzindo de maneira mais próxima da estrutura original), Jesus diz que “toûto poieîte eis tén emén anámnesin” (“isto fazei para a minha memória/lembrança”). O “isto” que deveriam fazer (poieîte) se refere não ao pão se tornar em corpo ou vinho em sangue, numa espécie de primeiro ato de transubstanciação, mas ao rito que será tratado como uma lembrança (“anamnesin”). No outro texto, Paulo segue a tradição lucana, deixando de lado os textos de Mt e Mc, e afirma ser esse rito um memorial (1Co 11.25) o que servirá de “anúncio” da morte até que “Ele venha” (v.27). Mesmo respeitando a legitimidade da tradição em torno da transubstanciação, nos textos citados, pelo menos para os protestantes, não podemos pressupor sua presença somente pelo uso do “isto”, como insiste Olavo de Carvalho e seu “pequeno gafanhoto”. E mais improvável seria afirmar que Jesus esteja dizendo ser esse rito o “único” caminho para a salvação, como afirma o texto olaviano. Depois desse arrazoado, fica claro o equívoco em colocar lado a lado “salvação pela Bíblia” e/ou “salvação mediante a eucaristia” como caminhos opostos do Protestantismo e Catolicismo. Então, a afirmação “É meu direito e meu dever considerar isso uma heresia, um escarnio e um escândalo, temendo pelo destino eterno de todos os que se deixaram enganar por tão grosseira patifaria” não passa de preocupação desnecessária e caricatura simplista do pseudoteólogo Olavo de Carvalho.

4. Tanto a leitura do Bernardo quanto a do Olavo são infantis e não levam em consideração até mesmo as indicações da Encíclica Divino Afflante Spiritu que critica leituras fundamentalistas e literalistas, defendendo a importância da compreensão dos gêneros literários e seus contextos histórico-culturais. Percebe-se isso, por exemplo, quando Olavo de Carvalho e seu pupilo confundem as palavras de Jesus com a redação dos evangelistas. Ou seja, a imagem deixada é de total ignorância a respeito das pesquisas neotestamentárias.

5. Se essas forem as razões da negação de legitimidade do Protestantismo a ponto de Olavo se afirmar um católico convicto, está provado que suas certezas são muito frágeis. No entanto, isso é bom, porque gera humildade diante das afirmações sobre a fé ou Tradição. Por outro lado, como a humildade não está entre as características do Bernardo e Olavo, talvez, só lhes resta a obtusa ignorância.

Opa, não poderia me esquecer. Como gostam de fazer, permitam-me chamar vocês dois, Olavo e Bernardo, de idiotas, burros, ignorantes etc. Tenho a liberdade de tratá-los assim, reproduzindo a maneira como vocês se reportam aos seus “mortais” interlocutores. Desculpe-me, é só uma brincadeira. Quis somente dar a vocês um pouco do próprio elixir.

Não tem jeito, na terra de cego quem tem um olho é... olavete (kkk)

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