domingo, 21 de abril de 2019

DOMINGO DA RESSURREIÇÃO: ESPERANÇA







Nada é mais belo no Cristianismo do que a memória da ressurreição. Se Cristo não ressuscitou, disse Paulo temendo pelos coríntios, não haveria substância em seu ato proclamatório e nem poesia na nossa fé. O mestre no madeiro mostra a morte em sua crueldade, a esperteza má da injustiça, a irracionalidade da violência. Na sexta-feira há agonia, lamúria é caos. Na cruz desnuda-se a irracionalidade do mundo e sua eloquência para derramar sangue e perfurar corpos. Se nos houvesse somente o Cristo morto, seríamos os piores desalentados cuja viuvez tornar-se-ia irremediável, trevas e águas amorfas sem solução, engolidos garganta adentro da desesperança. Por isso, somos convidados, como as mulheres do sepulcro violado, a sairmos da perplexidade da ausência do corpo morto em direção à segurança da exortação angelical: “Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que vive? Ele não está aqui! Ressuscitou!” (Lc 24,5-6). Assim, a eternidade constrói uma ponte entre lágrimas e júbilo, lamento e celebração. É o “haja luz” ordenador que diz: “mar: cala-te, acalma-te!”. O corpo ressurreto e cósmico ressignifica o sentido da Vida. A ressurreição anuncia a novidade da vitória, abre um sorriso no pranto e possibilidades entre os destroços. Na paixão Cristo partilha o caos em seu próprio corpo; na ressurreição aponta para a criação e ordenação.

Se na obra “O corpo de Cristo morto no túmulo”, 1521/22, de Hans Holbein, o mestre está esquálido, em “A Ressurreição” (1460), do renascentista italiano Piero della Francesca, a luz do Cristo vivo suplanta a silenciosa dor. Preservada no Museu Cívico de Sansepolcro, em Toscana, “A Ressurreição” está na lista das grandes obras de arte da humanidade. Com justiça, Aldous Huxley a descreveu como “a maior pintura do mundo” e por conta de sua grandeza, durante a Segunda Guerra, o capitão britânico Anthony Clarke ordenou parar o bombardeio a Sansepolcro poupando a cidade e essa importante obra.

Com intuição estética e intensidade, Piero della Francesca mostra Jesus saindo do sepulcro. Abaixo, em seus pés, estão os guardas dormindo e estáticos sem qualquer possibilidade de reação, como se a pintura dissesse: o Império Romano e seus instrumentos não foram capazes de enclausurar o Senhor da vida. No fundo, enquadrando a cena, vemos uma vegetação sóbria e em contraste: à esquerda, um tronco seco logo atrás de Jesus; à direita, vemos árvores com folhas em destaque. Com isso, o pintor italiano reforça a diferença entre morte e vida. No centro, Cristo surge em plena ressurreição. Ele carrega a bandeira em símbolo de vitória. Em perspectiva frontal, o mestre olha diretamente para os espectadores convidando-os a partilharem do seu triunfo. Por sua vez, as marcas da lança e pregos valorizam ainda mais a destruição dos grilhões. 

A obra exposta em Toscana lembra-nos o “não” profético de Deus. Toda a força da morte é enfrentada, seus agentes desarmados e desmascaradas suas perversas estratégias. No Domingo da ressurreição somos convidados, então, ao anúncio subversivo da teimosa esperança, cuja força instaura o horizonte do novo mundo possível e chama aqueles/as que cantam o cordeiro que venceu a serem seus semeadores, porque onde houver ódio a ressurreição levará amor, onde houver ofensa levará perdão, onde houver discórdia levará união, fé, verdade, paz e alegria.

(imagem: Piero della Francesca, "A Ressurreição", 1460) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário